Dúvidas sobre a audiência de custódia

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Sobre a audiência de custódia“, o artigo a seguir é de autoria dos Juízes Eduardo Ruivo Nicolau, da 1a Vara da Comarca de Miracatu (SP), e José Tadeu Picolo Zanoni, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Osasco (SP).

 

Foi noticiado que o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiram implantar o projeto “audiência de custódia”, antecipando o que está previsto em projeto de lei alterador do Código de Processo Penal, ainda em discussão no Senado Federal.

Em resumo, todas as pessoas presas em flagrante na capital paulista deverão ser levadas à presença de um juiz no prazo de 24 horas.

Um dos objetivos seria liberar policiais de funções burocráticas e possibilitar uma análise rápida do caso pelo juiz, evitando que a pessoa fique presa desnecessariamente.

Embora previsto no Pacto de San Jose da Costa Rica, em seu artigo 7º, item 05, pensamos que a adoção de tal procedimento exige maior reflexão por parte de todos os envolvidos – Polícias Civil e Militar, Poder Executivo, Poder Judiciário, Defensoria Pública e Ministério Público.

Inicialmente, não ficou claro por que a adoção do prazo de 24 horas, quando o referido tratado não indica esse período.

Também não se vislumbra como ocorrerá o aumento do número de policiais nas ruas, pois será necessária escolta do preso em flagrante até o Fórum. O Estado de São Paulo, principalmente no interior e litoral, não possui efetivo policial e estrutura para o transporte de presos em flagrante no exíguo prazo de 24 horas.

Se a intenção é verificar a legalidade da prisão e eventual prática de tortura, por que não a adoção de uma solução intermediária como a condução do preso, em prazo razoável, à presença de um Defensor Público e, em caso de ausência deste na Comarca, ao Promotor de Justiça? Constatada alguma ilegalidade na prisão, caberia ao Defensor ou ao Promotor de Justiça a provocação do órgão julgador para fins de relaxamento da prisão em flagrante ou concessão de medida cautelar diversa da prisão.

Evidente que o auto de prisão em flagrante continuaria a ser examinado pelo Juiz, mas sem a necessidade de designação de audiência de custódia.

Se o cerne dessa proposta está em recomendação da Comissão Nacional da Verdade, é uma pena que estejamos tão presos ao passado. Temos já 30 anos de prática democrática e a realidade dos primeiros dias da ditadura de 50 anos atrás estão bem distantes. Policiais, delegados, promotores e juízes são todos fiscais da legalidade e não há necessidade de  que toda a guarda da integridade física do preso seja colocada dessa forma, que acabará trazendo enormes gastos e retirando policiais das ruas.

Tal medida só irá trazer ainda mais desprestígio ao já combalido Judiciário brasileiro, principalmente em Comarcas onde o juiz preside várias audiências por dia. Não há vantagem em consumir tempo considerável de magistrados, promotores e defensores para uma audiência sem grande finalidade prática, eis que somente questionamentos sobre a prisão poderão ser feitos.

Causa preocupação a adoção de um procedimento dessa envergadura sem levar em consideração a precária situação das Polícias, a falta de estrutura dos Fóruns espalhados pelo Brasil e a ausência de cumprimento adequado da legislação penal por parte do Poder Executivo.

Também merece reflexão a previsão do instituto, em São Paulo, por meio de Provimento, que claramente edita normas de processo penal. É discutível a vinculação de outras instituições a esse ato normativo.