Primeira desembargadora do TJ de São Paulo decide antecipar aposentadoria

Frederico Vasconcelos

Zélia Antunes Alves

A Desembargadora Zélia Maria Antunes Alves, da 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, decidiu antecipar sua aposentadoria, despedindo-se dos colegas da Câmara na última quarta-feira (4).

Primeira mulher a se tornar juíza estadual em São Paulo, em 1981 –e primeira magistrada a assumir o cargo de Desembargadora no Tribunal, em abril de 1995–, Zélia só atingiria a idade limite para a chamada “expulsória” em dezembro de 2024.

“Minha aposentadoria já poderia ter sido requerida desde o ano de 2007, ou seja, há sete anos. Prossegui, por uma questão de foro íntimo. Doravante, pretendo dedicar-me à minha vida pessoal e interesses culturais”, informou ao Blog.

A magistrada não quis conceder entrevista. Não comentou os motivos que a levaram a deixar o Tribunal. Ela preferiu uma despedida discreta, sem a tradicional solenidade pública com discursos do presidente da Corte e outras homenagens.

Reportagem publicada na Folha em 29 de dezembro último, de autoria do editor deste Blog, citou Zélia Maria numa lista de 35 desembargadores que mantinham em seus gabinetes processos não julgados acima da média do tribunal [o TJ-SP tem 357 desembargadores].

Com base em relatório do próprio tribunal, a reportagem revelou que, em outubro de 2014, a desembargadora tinha em seu gabinete 2.362 processos sem decisão. Naquele mês, a média da Subseção 2 de Direito Privado, à qual ela pertencia, foi de 1.168 processos não julgados.

A magistrada informou, na ocasião, que, além da 13ª Câmara de Direito Privado, integrava, também, a 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente.

“Acumulo a distribuição de duas Câmaras distintas. Afora isso, ao assumir a cadeira na 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente recebi acervo de centenas de processos de altíssima complexidade para decisão”, afirmou.

O esclarecimento foi publicado no jornal.

Em entrevista exclusiva a Roseli Ribeiro, do site “Última Instância“, publicada em março de 2007, Zélia Maria comentou como foi recebida pelos colegas no início da carreira:

Sempre fui muito bem recebida pelos meus colegas de primeira instância. Pelos colegas de segunda instância, com uma certa reserva. Havia entre eles mais preconceito pela admissão de mulheres na magistratura. No dia-a-dia, alguns advogados foram ‘folgados’, achando que, pelo fato de ser mulher, poderiam falar de qualquer jeito. Com o homem, era excelência prá cá, excelência prá lá. Com a mulher, o tratamento já era com um certo desrespeito. Isso foi durante um período. Hoje mudou. O que mais importa é o trabalho da pessoa, a forma como ela se coloca“.

Em junho de 2014, a convite do presidente do TJ-SP, José Renato Nalini, Zélia Maria fez a saudação em nome do Tribunal na solenidade de posse dos Desembargadores Caio Marcelo Mendes de Oliveira e Luiz Antonio Coelho Mendes [fotos].

Em seu discurso, ela abordou a questão da produtividade e das pressões que o juiz recebe:

Com milhares de processos para decidir e a exigência de contínua e elevada produtividade pelo órgão de controle do Judiciário, para o Juiz de hoje, a análise criteriosa de cada caso passou a ter papel secundário, o importante é produzir a qualquer custo e de qualquer forma, porque o que importa não é mais a qualidade das decisões judiciais, não é mais ‘dar a cada um o que é seu’, e, sim, a quantidade, mesmo que isso signifique a preponderância da INJUSTIÇA e das decisões teratológicas e absurdas”.

“São tempos de incerteza e de perseguições, onde o Magistrado é obrigado a se despir de sua toga, travestindo-se em um operário de linha de produção em massa, que se limita a aplicação de súmulas, de precedentes, de decisões padrão, buscando, única e exclusivamente, atingir a produtividade estabelecida por critérios duvidosos, sem nenhum vínculo com a verdadeira Justiça, sob pena de ser execrado pelos seus pares”.