Pizzolato, Battisti e o “Zé das Couves”
Sob o título “Pizzolato e Battisti: a extradição, os presídios e a justiça!”, o artigo a seguir é de autoria do Desembargador Edison Vicentini Barroso, que assina o texto como “magistrado e cidadão brasileiro”.
Relembrando: Cesare Battisti, terrorista italiano lá condenado por quatro homicídios, por decisão política do Supremo Tribunal Federal do Brasil, ajustada à vontade do ex-presidente Lula, deixou de ser extraditado à Itália, fugindo do cumprimento da pena. Mais grave, foi ferido de morte tratado de extradição entre os dois países.
Agora, volta à cena Henrique Pizzolato, cidadão de dupla cidadania (ítalobrasileiro), condenado no processo do mensalão a 12 anos e 7 meses de prisão e refugiado na Itália. Sob o pretexto da falta de condições de segurança nos presídios brasileiros, a Justiça de lá negou sua extradição. Porém, em grau de recurso, concedeu-a. Mas, a última palavra caberá ao ministro da Justiça da Itália.
Será a ressurreição do Tratado de Extradição? Esperemos pra ver. Contudo,não se tem a impressão da negativa de extradição italiana pelo motivo acima externado. Ao contrário, evidencia-se decorrente da atitude anterior do governo brasileiro, referendada pelo STF, no sentido de aqui reter Battisti.
Afinal, para casos assemelhados, a solução haveria de ser a mesma.
De fato, a ato de terrorismo não se pode chamar de crime político, como no caso de Battisti. Portanto, indiscutivelmente, semelhantes as duas situações. Assim, a relutância da Justiça italiana vincula-se ao precedente da decisão da Justiça brasileira, a traduzir, sim, dois pesos e duas medidas.
E não é por outro motivo que juristas italianos indicaram que Roma deve responder ao Brasil da mesma forma que o caso Battisti. E, nisto, há lógica, pois que cooperação bilateral, ínsita a Tratado de Extradição, há de ser estrada de mão dupla. No episódio Battisti, por questão “amigo/ideológica”, transformada por Lula e pelo STF em via de mão única.
Por aí, justificável a originária negativa da Itália. Não, porém, pela desculpa da falta de segurança dos presídios brasileiros, sabidamente inseguros. Mas, de fato, nem todos – a depender de quem se trate e onde se o coloque.
Expliquemos.
O homem do povo que delinque não pode ter menos direitos que os Pizzolato e os Battisti da vida. É questão de dignidade humana, a fundamentar o Estado Democrático de Direito (artigo 1º, III, da Constituição Federal).
No Brasil, um dos objetivos fundamentais da República constituída é a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, IV, daquela). Isso, a par da construção duma sociedade justa e solidária (inciso I deste). Por fim, ao menos em tese, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (veja-se seu artigo 5º, caput).
Ora, o caso Pizzolato mudou de figura em razão de “garantias diplomáticas” apresentadas pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de que aquele terá sua integridade física assegurada. Aliás, como o tiveram todos os agentes públicos mensaleiros e como deveriam ter todos os presos no território nacional – sem exceção.
A Papuda é, pois, hoje, sinônimo de tratamento diferenciado – para melhor! E o que o governo brasileiro quis e quer com isso demonstrar? Que Pizzolato, além de não correr risco de tortura, receberá tratamento bem melhor que os
demais presos. É a política do “embora esteja mal, tudo vai bem” (só para inglês ver).
O sistema carcerário brasileiro é uma tragédia, e quase nada se faz para mudar a situação. Na prática, o objetivo de ressocializar o detento passa longe dos argumentos teóricos. Em verdade, as cadeias e penitenciárias dão aos presos um curso intensivo do crime, quase em nível de universidade.
Mas, em tempos de corrupção desbragada, os agentes de colarinho branco são tratados – pelo desgoverno que aí está – a pão-de-ló, restando ao homem do povo as bordoadas. Ou seja, ao invés de se tomar providência que mude para melhor o estado generalizado de coisas, toma-se a exceção pela regra teórico/discursiva de que as prisões do Brasil são capazes de regenerar o preso, tratando-se desigualmente a iguais e fomentando-se privilégios inconcebíveis.
Para os amigos do “Rei” (símbolo do poder), os benefícios. Para os outros, os anônimos do caminho, a lei e a dura realidade de presídios regados pela regra do mais forte e do permanente descaminho. Como se existissem brasileiros mais cidadãos que outros, a regalarem-se duma situação de exceção que os torna imunes às tribulações gerais.
Ao petista Pizzolato, assim como ao “companheiro” Battisti, todas as garantias. Ao “Zé das couves”, homem comum privado da excelência das amizades certas, a certeza do esquecimento num cenário apocalíptico de ajuntamento de pessoas não merecedoras de qualquer consideração. Este o quadro real do Brasil atual – sem pôr nem tirar!
Eis que surge, pois, a pergunta que não quer calar: até quando, neste País, os princípios constitucionais ficarão exclusivamente no papel, pela distância abissal entre a teoria e a prática, no campo do tratamento penal isonômico?
De fato, desanimadora a constatação de que há pessoas que, embora piores que outras, aqui, têm o privilégio indevido dos regalos do poder enganoso que a traça há de roer e a ferrugem consumir. Não vos esqueçais, senhores do poder perecível e passageiro, que, na matemática do tempo, verdadeiro senhor da razão, tudo muda, rumo a uma justiça que sempre extradita a quem deve e pune, na justa medida, àquele que merece. Acorda, Brasil!