Bloco da Saudade pede passagem
O artigo sobre o Carnaval de Pernambuco publicado na Folha por Silvio Meira –batuqueiro do Maracatu “A Cabra Alada” e professor associado da FGV Direito Rio– abre alas para o blog deixar de lado os assuntos de interesse dos operadores do Direito e tratar da folia pernambucana.
Segundo Meira, “Pernambuco tem uma diversidade cultural de carnaval única. Que leva uma vida inteira pra entender“.
O Carnaval pernambucano ainda é um mistério, mesmo para este folião aposentado que acompanhou a pé, durante boa parte da vida, os desfiles de blocos, maracatus, troças, escolas de samba, ursos e bois nas ruas de Recife e ladeiras de Olinda.
Como escrevi em 1997 na Folha (*), “tenho boas lembranças dos desfiles de rua e da rivalidade -ainda presente- entre a Pitombeira dos Quatro Cantos e o bloco dos Elefantes (era adepto do primeiro, mas gostava do hino do rival, que ouvi, pela primeira vez, executado pelo autor, Clídio Nigro, no velho piano alemão da minha casa).
O desafio era ‘tirar’ o bloco na sede, ‘pedir passagem’, pulando nas ruas estreitas e íngremes, e aguentar o repuxo até o ‘regressar’. Era preciso fôlego redobrado, ativado pela mistura prévia de ‘bate-bate com doce’ (batida de frutas, açúcar e muita cachaça). É quando a população está com a ‘goitanga’ (com o diabo no corpo, em bom ‘pernambuquês’).”
Como poderia esquecer a cena do “Homem da Meia-Noite”, boneco gigantesco, fazendo reverência para meus pais na janela de casa em Olinda?
Ou os acordes de “Gostosinho” e “Gostosão”, frevos de Nelson Ferreira, elegante maestro que gentilmente cedeu o piano no Clube Português para o então jovem e atrevido aprendiz de pianista dedilhar algumas músicas?
Somente em Pernambuco, arrisco, é possível desfilar num único e belo frevo-canção [confiram na internet] os nomes de tantos blocos de rua, como fez Edgar Moraes na composição “Valores do Passado”:
Bloco das Flores, Andaluzas, Cartomantes
Camponeses, Apôis Fum
e o Bloco Um Dia Só
Os Corações Futuristas, Bobos em Folia
Pirilampos de Tejipió
A Flor da Magnólia
Lira do Charmion, Sem Rival
Jacarandá, a Madeira da Fé
Crisântemos, Se Tem Bote e
Um Dia de Carnaval
Pavão Dourado, Camelo de Ouro e Bebé
Os Queridos Batutas da Boa Vista
E os Turunas de São José
Príncipe dos Príncipes brilhou
Lira da Noite também vibrou
E o Bloco da Saudade, assim recorda tudo que passou.
Como diria o poeta e cronista Antonio Maria, na versão genial de Maria Bethânia, “quando eu me lembro/ o Recife está longe/ a saudade é tão grande/ eu até me embaraço”…
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(*) http://blogdofred.folha.blog.uol.com.br/arch2008-01-27_2008-02-02.html