Mudanças necessárias, além do CPC

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Código novo, problemas velhos“, o artigo a seguir é de autoria de Ighor Raphael das Neves Amorim, Servidor do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

Em 2009 foi instituída uma comissão de juristas com a missão de elaborar um anteprojeto de novo Código de Processo Civil. Desde então, discute-se se esse seria, enfim, o caminho em sentido contrário à dificuldade de realização da Justiça no Brasil.

A tarefa de redação foi terminada, resultando em um caderno com 970 artigos (contra os pouco mais de 1200 atualmente em vigência), o qual já recebeu aprovação do Senado Federal, sem prejuízo de dezesseis possíveis alterações ainda sujeitas a discussão.

Não precisa de maior reflexão para se concluir que a ideia de criação de um novo sistema processual parte do pressuposto que os males hoje existentes decorrem, em grande parte, das normas que norteiam o processo; de modo que lei nova seria solução para todos eles.

Será mesmo que alterar as regras do jogo é a solução?

Sempre que tem a oportunidade de falar sobre o tema, o Ministro Luiz Fux, que capitaneou a comissão de criação, diz que sob a égide do novo Código o processo terá duração muito menor, estimada na metade do tempo que hoje demanda.

Alguns pontos, entretanto, devem ser bem realçados, a fim de que não se venda à sociedade uma ilusão de mudança a qual, se mantida a nossa realidade atual, não ocorrerá.

Primeiramente, diga-se que apesar de editado em 1973, o Código de Processo Civil vigente passou por alterações constantes, tanto destinadas à modificação de um ou outro dispositivo específico (última delas no recente 2013), quanto à alteração de toda uma espécie processual. Exemplos dessas últimas foram a criação da ação monitória em 1995, a reforma no processo de execução ocorrida em 2005 e as alterações nos recursos para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal, havidas em 2008.

Com 42 anos recém completados, somente em treze desses o Código passou alheio a modificações. É sinal de que o processo civil brasileiro é conduzido por um conjunto de regras que, na medida do possível, sofreu modificações ao longo do tempo. Nem por isso as consequências de uma crise estrutural foram curadas.

Não foi a vigência das alterações anteriores que, automaticamente, promoveu melhorias sistemáticas no Judiciário. E com o novo Código parece que não será diferente.

Veja-se, a título de exemplo, que o artigo 184 do anteprojeto dispõe que o juiz proferirá decisões em até dez dias (diante de pedido de alguma das partes, por exemplo), e sentenças em até vinte dias (constatada a revelia do réu, por exemplo).

Só que o Código vigente já prevê sejam as decisões proferidas em dez dias (artigo 189, inciso II), mas nem por isso o prazo é observado.

Será que a pura e simples alteração legislativa alterará esse cenário? A resposta negativa parece evidente, pois o que faz o juiz decidir rapidamente não é a ordem legal, mas sim estrutura apta a dar conta da demanda de trabalho.

Sem modificação do sistema judiciário não será possível progredir rumo à razoável duração do processo, que a Emenda Constitucional nº 45/2004 erigiu a direito fundamental.

Com ou sem lei nova, muitos dos juízes não conseguirão decidir em dez dias enquanto não houver organização judiciária que permita dar vazão ao número de feitos.
Consequência disso será que o cidadão, destinatário final do serviço público da justiça, não receberá aquilo que se vem prometendo.

Sem investimento intenso na educação social e nas formas alternativas de solução de conflitos, não se imunizará os cidadãos da cultura do litígio – essa, sim, a grande praga no sistema.

O progresso que diariamente se vem obtendo decorre de mudanças estruturais e do esforço em recursos humanos, aquém da criação de novos códigos.

Aposta certeira é dizer que, depois de entrar em vigor, o novo Código de Processo Civil passará por diversas alterações, transformando-se, em menos de uma década, no mesmo mosaico que temos hoje. E se o nosso contexto estrutural permanecer o mesmo, daqui a anos se dirá necessária a criação de um novo.

Autor do projeto do Código vigente, o professor Alfredo Buzaid, em 1972, dizia que naquele contexto era mais conveniente a feitura de um código novo porque se impunha reescrever as linhas fundamentais do sistema, adequando-o às transformações que o Brasil vivenciou a partir da década de 1940.

Entretanto, essa não é a realidade de hoje, porque as reformas e revisões feitas ano a ano bastaram e bastam para manter o processo civil numa conjuntura adequada,
coerente com a realidade atual.

A mudança parece irreversível e com ela grande trabalho virá. Não é fácil mudar, a um só tempo, centenas de regras, ainda mais em um país no qual a legislação processual é unitária. O foco dos próximos anos será a adequação ao novo, o que só atrapalha as reformas das instituições.

Na exposição de motivos do Código de 1973 menciona-se o italiano Chiovenda, que disse ser necessário decidir “entre uma reforma fundamental e a renúncia à esperança de um sério progresso”. Espera-se que o Código novo traga, sim, sério progresso, mas não se pode deixar de advertir que ele não virá sem mudanças outras que vão muito além de letras no papel.