TJ-SP começa as audiências de custódia
Ainda há dúvidas na magistratura e no MP. “A ideia é polêmica, porque toda mudança traumatiza”, diz Nalini.
A partir desta terça-feira (24/2), terão início em São Paulo as audiências de custódia, dentro do projeto desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Ministério da Justiça, liderado pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF e do CNJ.
Haverá audiências de custódia em todos os casos de flagrante delito registrados nas 1ª e 2ª Delegacias Seccionais. As entrevistas serão conduzidas pelo Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (DIPO) do TJSP no Fórum Criminal da Barra Funda, localizado na zona oeste de São Paulo.
A implantação do projeto será gradativa. São esperados entre 25 e 35 presos em flagrante por dia apenas destas duas seccionais, que abrangem a região central e sul da capital paulista. O objetivo do CNJ é implantar o projeto-piloto inicialmente em São Paulo e em seguida levá-lo para as outras capitais do País.
Há uma sensação na magistratura paulista –não revelada abertamente– de que a experiência é uma espécie de salto no escuro.
A iniciativa divide opiniões. Tem o apoio entusiasmado da Advocacia, da Defensoria Pública e das entidades voltadas ao direito de defesa e aos Direitos Humanos. É tida como uma forma de evitar o rigor excessivo nas prisões em flagrante e o longo encarceramento sem o exame por um juiz.
Há dúvidas, por exemplo, até mesmo entre os mais próximos dessa experiência, de que o sistema terá como resultado a anunciada redução da superlotação carcerária.
Em junho de 2013, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais manifestava incerteza sobre se o Projeto de Lei nº 554/2011 do Senado, se aprovado, será efetivamente cumprido, “ou será mais uma destas exigências legais que nossas Cortes reputarão meramente cosméticas, incapazes de afetar a legalidade da prisão, o que não seria de estranhar, a levar em conta o desprezo da jurisprudência pelas regras do flagrante, quando já convertido em preventiva”.
A oposição mais declarada vem dos Delegados de Polícia, que, por meio de entidade nacional, questiona no Supremo a constitucionalidade da inovação, por entender que ela só poderia ter sido criada por lei.
O Ministério Público paulista elaborou Nota Técnica em outubro último, manifestando-se contrário ao projeto do Senado Federal.
O MP estadual não recomendava a medida, vendo inconveniência aos sistemas de segurança pública e de Justiça e por não considerar razoável o prazo para apresentação do preso ao Juízo (prazo máximo de 24 horas). Alegou a deficiência estrutural e orçamentária do Judiciário, MP e Defensoria. A nota é assinada pelo Procurador-Geral de Justiça, Márcio Elias Rosa.
O PGJ não assinou o termo de cooperação entre o Judiciário e o Executivo para a implementação do projeto que tem início nesta terça-feira.
Boa parte dos Promotores é contra a audiência. Um ofício de promotores do interior alertou para a “criação de um procedimento penal ao arrepio do próprio Código de Processo Penal, além da inquestionável irrelevância da medida”.
Os juízes, principais atores, evitaram enfatizar o que mais os preocupa: que o sistema seja ampliado para as comarcas do interior, aumentando a carga de trabalho sem a contrapartida em termos de melhor estrutura e garantia de segurança aos magistrados.
Na base, muitos juízes e promotores entendem que as entidades que os representam deveriam ter uma posição mais firme e esclarecedora sobre o tema.
“A ideia é polêmica, porque inova e toda mudança traumatiza”, admite o presidente do TJ-SP, José Renato Nalini. “Mas a sua inspiração é a mais saudável. Precisamos recordar que a prisão não é o único remédio para a delinquência. Na verdade, não é remédio. É um mal reconhecido. Se há pessoas que, infelizmente, devem ser segregadas do convívio, outras há que não podem ingressar no sistema carcerário. Serão contaminadas, sairão revoltadas, serão feras feridas com vontade de se vingar de tudo e de todos”, argumenta.