“Juiz é muito cobrado e pouco ouvido”
“Não é possível pensar que o juiz de primeiro grau não tem nada para contribuir”, diz presidente da Apamagis.
O presidente da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados), Jayme Martins de Oliveira Neto, tem um grande desafio neste segundo ano de gestão: ser o porta-voz, no Tribunal de Justiça de São Paulo, das reclamações e discordâncias dos juízes de primeiro grau.
Primeiro representante da primeira instância eleito para dirigir uma entidade que era vista como extensão do Tribunal –até 2013 a Apamagis só era presidida por Desembargadores–, ele enfrenta a pressão de juízes insatisfeitos com atos e declarações do presidente José Renato Nalini.
Muitos juízes gostariam de ver esse descontentamento –um clamor generalizado, mas silencioso– exposto de forma mais firme.
Oliveira quer evitar o confronto –um conflito desnecessário, segundo diz.
O presidente da Apamagis mantém bom diálogo com Nalini –que apoiou a principal bandeira dos juízes de primeiro grau: as eleições diretas nos tribunais. Na sua gestão, o representante da associação passou a participar das reuniões administrativas do Órgão Especial –com direito a voz, mas sem poder votar.
“O presidente Nalini é acessível, sempre abriu as portas para que levássemos as reivindicações. O diálogo sempre foi muito bom. Mas precisa de ajuste. Não pode ser ocasional, não pode depender da relação de simpatia dos presidentes das duas instituições”, diz Oliveira.
Nalini apoiou sua candidatura à Apamagis. A eleição de Oliveira teve a presença do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal.
“Nossa eleição foi uma mudança. Nós queremos ser ouvidos, temos como contribuir. Não é possível cobrar tanto da magistratura de primeiro grau e pensar que ela não tem nada para contribuir”, diz o presidente da Apamagis.
“Os juízes estão sobrecarregados de trabalho, sofrem uma cobrança da sociedade, sofrem críticas permanentes. Nossa atividade, pela sua natureza, gera insatisfação. Não é uma atividade simpática, você sofre críticas, cobranças sistemáticas do CNJ, do tribunal, da corregedoria. Só que você é muito cobrado e pouco ouvido”, diz.
Na última segunda-feira (23), o presidente da Apamagis concedeu entrevista ao Blog. Ele pretende dar maior divulgação sobre a posição da entidade em relação às principais questões que preocupam os magistrados –entre as quais ele destaca as condições de trabalho e a segurança dos juízes.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
1. Varas de conflitos fundiários
Particularmente, tenho defendido há mais de dez anos a necessidade de o Estado criar as varas de conflitos fundiários. Existe uma previsão na Constituição Federal, que garantiu essa competência para a justiça dos Estados. E o Estado de Sáo Paulo não criou.
O Instituto Paulista de Magistrados – IPAM, que eu presidi durante um período, fez ofícios ao Tribunal com essa solicitação. Nunca foram respondidos. Outros Estados da Federação já implantaram essas Varas.
Por que devem ser instaladas? Primeiro, porque há um comando na Constituição. Segundo, porque, de 1988 para cá, houve uma avalanche de processos no Estado de São Paulo. No período anterior a 1988, o volume de processos permitia as varas cumulativas. Hoje, diante do volume e da complexidade dos conflitos, nós defendemos a necessidade de especialização. E as varas fundiárias ou agrárias vêm nesse contexto da especialização.
O que nós não concordamos –nisso eu divirjo bastante do posicionamento do presidente do tribunal– é ele dizer que o juízes não estariam preparados para decidir.
Os juízes estão preparados. Já decidem isso, com recursos aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Superiores. E decidem bem. Eu também defendo a criação de varas especializadas em crimes de improbidade administrativa. É a mesma ideia, mas ela não é fundada na falta de preparo da magistratura ou do próprio tribunal.
Para mim, [a declaração de Nalini] foi uma novidade. Gerou muitas críticas.
O presidente teria dito que, além da necessidade de melhorar a especialização, o juiz também teria que mudar a visão em relação à propriedade. E isso, dependendo da forma como é colocado, atinge a própria independência do magistrado. Não se pode concordar com isso.
Nós defendemos a criação dessas varas de conflitos fundiários, mas que sejam preenchidas por concurso nos mesmos moldes que as outras varas são preenchidas, para garantir a livre convicção e a independência da magistratura.
Defendemos a criação de varas, e não de departamentos para esse tipo de atividade.
A visão que nós temos é que o funcionário vai se especializar, ter agilidade, uniformizar os procedimentos e reduzir a rotina de trabalho. Há pouco tempo foi criado o cartório único –união de cinco varas, um cartório só para as antigas cinco varas. Isso vai funcionar se a unidade tiver um modelo de gestão único.
Isso [a criação dessas varas fundiárias] ainda não foi para o Órgão Especial. Pretendemos nos manifestar lá. Para defender a necessidade de sua criação, com provimentos na forma regular –antiguidade e merecimento.
Mas a Apamagis não foi consultada nesse expediente. A Apamagis não foi ouvida previamente sobre o provimento.
São Paulo precisar ter essas varas funcionando, sem viés ideológico. Com independência e garantia da livre convicção do magistrado.
Os juízes desde sempre julgaram ação de reintegração de posse, têm formação para isso, têm preparo. A Justiça de São Paulo tem respondido bem essas demandas. Quase todas são submetidas a recurso ao tribunal. Os problemas fundiários, problemas de terra, existem desde sempre. Não há erro de formação. Já tivemos presidente deposto por conflitos de terra. Não há novidade em relação a isso.
Por isso a gente não pode concordar que o juiz não está preparado ou que não tem formação para lidar com esse tipo de conflito.
2. Segurança nos fóruns.
A Apamagis tem visto com muita preocupação a redução da segurança nos fóruns. Nós temos cerca de 200 juízes ameaçados no Brasil. São ameaças reais. Já tivemos no Estado de São Paulo a morte de um colega pelo crime organizado, um juiz que era muito querido na magistratura.
Nós entendemos que o tribunal tem que fazer suas economias, mas economizar em segurança pode custar muito caro à magistratura. Uma só vida que se perca por problemas de segurança não justifica qualquer economia.
Um dos reclamos da magistratura –e eu vou conversar com o presidente– é o fato de estar sendo reduzido o efetivo da segurança privada sem que os juízes também possam se manifestar.
O Conselho Nacional de Justiça recomenda a valorização do juiz de primeiro grau. Como se valoriza o primeiro grau? Uma das maneiras mais singelas é ouvindo o primeiro grau.
Se vai reduzir o efetivo de segurança na comarca do juiz, vamos ouvir o juiz. Vamos ouvir o que ele acha disso. Não é só ouvir o técnico. Quando você está falando de segurança, não é só a segurança do juiz. Você tem a segurança dos advogados, dos promotores e de todos os cidadãos que frequentam o fórum.
Afora a própria segurança em relação ao crime organizado, o fórum é um ambiente de conflito onde pode ter agressão de parte contra parte, de advogado contra advogado e de advogado contra juízes.
Não sei se o assunto está sendo tratado [na comissão interinstitucional criada no TJ-SP], mas deveria. Porque ali tem representantes da sociedade civil, representante dos servidores, excelente profissional. Não sei se estão sendo consultados. Mas a Apamagis, com certeza, não foi.
Nós pedimos que esses estudos sejam fornecidos à Apamagis, para que a associação possa se manifestar com mais qualidade. Precisamos dos dados.
Eu quero ouvir os juízes das cidades onde já houve redução de efetivo e conhecer as propostas de redução futura. É para ver se a gente consegue essa interlocução entre o tribunal e o juiz que vai ser afetado. Está sob a responsabilidade primeira do juiz a vida dos servidores e da população da cidade.
3. Audiência de custódia
Existe uma previsão do Supremo, que já sinalizou que o Brasil deve caminhar para esse sistema.
A audiência de custódia em si não é o problema. A magistratura está sobrecarregada. Para atribuir mais atividades a essa magistratura em São Paulo, tem que garantir o mínimo de estrutura e segurança.
A audiência de custódia significa levar um contingente ainda maior para os fóruns, numa situação diferente. Porque a pessoa acabou de ser presa, há uma comoção da família, provavelmente a família vai comparecer ao fórum . Você vai levar mais gente, em situação conflituosa ao fórum.
A Apamagis está acompanhando. Já me reuni com a juíza diretora do Fórum da Barra Funda. Ao final de uma semana, a Apamagis sentará com os juízes auxiliares para fazer uma avaliação.
Conversei com o corregedor-geral [Desembargador Hamilton Elliot Akel], que está extremamente acessível. Ele fez questão de dizer que não há nenhuma previsão de extensão [dessas audiências] ao interior. É apenas um projeto-piloto.
Ele também se mostrou preocupado. Ele conhece a realidade dos juízes de São Paulo, disse que nós poderíamos ficar tranquilos, porque está preocupado com a estrutura e com a segurança. Os juízes do interior estão muito preocupados, com receio de que isso seja levado como uma atribuição a mais, sem estrutura e segurança.
Há quem sustente que não poderia fazer isso [sem a aprovação da lei no Senado]. O entendimento do presidente do CNJ e do Supremo é de que não depende de lei. São Paulo, com o projeto piloto, está construindo o modelo.
Mas os juizes estão preocupados, receosos que recebam uma atribuição a mais. Imagine se um juiz de uma cidade do interior tiver que parar o que está fazendo no fórum…
4. Auxílio-moradia
Na nossa visão, o auxílio-moradia tem sido mal interpretado. Praticamente toda a magistratura nacional tinha ajuda de custo para moradia. Há uma previsão na Loman [Lei Orgânica da Magistratura Nacional] de ajuda de custo para moradia, desde que o Estado não dê moradia oficial. São Paulo nunca cumpriu esse comando legal, enquanto outros Estados cumpriam.
O juiz trabalha no Estado mais rico da Federação, no Estado que tem risco de vida e não consegue receber por variados motivos.
A Apamagis, na minha gestão, já tinha feito um requerimento ao presidente do tribunal para que ele instituísse o auxílio moradia para os juízes do Estado de São Paulo. Aí veio a decisão do ministro Luiz Fux, que estendeu aos juízes federais. Na sequência, houve um expediente no processo da AMB, e dissemos que queríamos que a decisão fosse estendida [aos juízes de São Paulo].
Sob esse aspecto, foi a correção de uma ilegalidade que se vinha cometendo com os juízes de São Paulo.
Nós temos defendido o auxílio-moradia com muita tranquilidade. Que magistratura você quer? Se você quer construir uma carreira com uma determinada qualidade de magistrados, com estrutura, tem que oferecer benefícios. Benefícios trabalhistas, como essas ajudas de custo para moradia, transporte, significam atrativos para a carreira.
No passado, havia a aposentadoria integral. Aposentava mais cedo, havia outros benefícios. Hoje, a aposentadoria acabou. O juiz vai ter um sistema previdenciário que não é mais o mesmo que havia no passado.
Nós exigimos da magistratura uma série de cobranças, não pode fazer comércio, não vai ter mais a mesma aposentadoria. Estamos defendendo que se criem outros atrativos para a carreira. Você náo vai trazer os melhores para uma carreira em que você sofre agressões. O magistrado é cobrado, pode ser alvo.
Em alguns países da Europa, o juiz escolhe a casa onde quer morar. E o Estado aluga a casa para ele enquanto for juiz.
Não vejo isso isso, em hipótese alguma, como aumento disfarçado [como Nalini afirmou]. Ele sempre tem dito que é um aumento disfarçado. Não é. É a correção de uma ilegalidade que foi feita com os juízes de São Paulo.
5. PEC da Bengala
Estamos pedindo que os parlamentares reflitam e não votem apressadamente a PEC 457/2005 [a chamada PEC da Bengala, que amplia a idade limite para a aposentadoria compulsória, de 70 para 75 anos].
Estão querendo aprovar a PEC por conta de impedir o governo de fazer as próximas indicações. O país não pode se submeter a um tipo de votação dessa extremamente casuística.
Não podemos ter um sistema no Judiciário votado no casuísmo para daqui a cinco anos, com novo governo, voltar de novo para 70 anos.
A AMB tem um estudo, mostrando que praticamente em nenhum país do mundo [a idade limite] passa de 70 anos.
Nos tribunais superiores, não é razoável que alguém possa permanecer por 30 ou 35 anos decidindo, firmando a jurisprudência. Aquela [jurisprudência] que ele decidiu há 30 anos, e 30 anos depois vai manter aquele entendimento.
Nós sustentamos que muito especialmente nos tribunais superiores há a necessidade de discutir o tempo de mandato. Alguns países trabalham com 16, 20 anos, não sei o Brasil vai encontrar o seu ponto de equilíbrio.
Não nos parece razoável que alguém possa entrar e permanecer no Supremo por 35 anos, exercendo o mais alto Poder da República, quando em nenhum outro Poder isso é possível.