Prisão antes da certeza da culpa

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Drama de magistrado“, o artigo a seguir é de autoria de Walter de Almeida Guilherme, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

Walter de Almeida GuilhermeHá pouco aposentado como desembargador do Tribunal de Justiça, por força de imposição constitucional, por 20 anos pertenci ao Ministério Púbico e noutros 26 fui juiz, encerrando a carreira como ministro convocado do Superior Tribunal de Justiça. Durante quase a totalidade desse tempo atuei na área criminal. No Ministério Público, pedi um sem número de prisões, ofereci pareceres nos quais se punha a questão da prisão preventiva. E como juiz, em milhares de processos, decidi a respeito dessas prisões. Talvez esse tenha sido o tema que mais me afligiu: manter alguém encarcerado antes de sua condenação final.

Guiam-se os juízes pelo que dispõe o Código de Processo Penal nos casos em que se admite que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (arts. 312 e 313). A prisão cautelar hoje não é obrigatória. Cabe ao julgador, havendo prova da existência do crime e de indício suficiente de autoria, avaliar se o caso se enquadra na lei. Não vou me ater à doutrina e à jurisprudência. Este não é um artigo jurídico.

É um drama para o juiz consciente mandar alguém para a cadeia antes que se tenha certeza (jurídica) da culpa. Ciente das condições subumanas da maioria dos presídios – e da inutilidade da prisão como fator de ressocialização, intimidação e eventual efeito benéfico que constituiria o afastamento do seio social, já que ele, de dentro da cadeia, desenvolve outras formas de criminalidade –, o juiz vacila. Convém o encarceramento preventivo? Mas a lei precisa ser cumprida. O vacilo se desvanece e a prisão é decretada. Digo por mim: em mais de 80% dos casos a prisão preventiva foi decretada.

O juiz lê, vê televisão, internet, convive com familiares e amigos e não é imune à opinião pública (e publicada). A par de sua convicção, a pressão para decretação da prisão é enorme. Tudo acaba por fazer surgir a convicção de que a prisão se justifica, engordando a estatística dos presos provisórios. Presos que, independente da duração da instrução processual, se absolvidos experimentarão dano irreparável. Decretar ou não a preventiva depende sempre de prognóstico a ser feito pelo juiz. Solto, tornará a delinquir? Frustrará, fugindo, a aplicação da lei? Prognose nada fácil.

A condição natural é a liberdade, proclamam os estados civilizados, somente se justificando a perda a condenação transitada em julgado. Será a custódia preventiva uma antecipação da pena que decorrerá da decisão condenatória definitiva? Não se pode cogitar ser assim, do contrário se estará a fazer ruir todo um sistema baseado na presunção da não culpabilidade. Mas, por vezes, é o que ocorre. Há o juiz que lutar contra a ideia, consciente ou não, de tornar a prisão preventiva um início da pena que eventualmente aplicará. É claro, também, que se utilizar da prisão preventiva como elemento indutor de colaboração premiada, como nos casos tão em voga, é odioso. Não creio que juízes, para esse fim, tenham-se valido dessa forma de constrição. Confesso que a decisão que mais me satisfazia moralmente, enquanto julgador, era a de conceder de habeas corpus para revogar prisão preventiva ou conceder liberdade provisória, quando convicto de sua ilegalidade.