Impeachment, para leigos e iniciantes

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Impeachment: utopia ou realidade?”, o artigo a seguir é de autoria de Edison Vicentini Barroso, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

Há quem diga ser juridicamente utópica, neste momento, a hipótese de impeachment de Dilma Rousseff. Dentre eles, o jurista e ex-presidente do STF, Carlos Ayres Britto. Para este, faltaria o pressuposto do cometimento de crime no período do segundo mandato.

Todavia, existe quem pense diferente. Por exemplo, o jurista Ives Gandra da Silva Martins. Debruço-me sobre parecer deste, para dele haurir a essência do pensamento, trocando-o em miúdos, de forma a possibilitar, quanto mais possível, entendimento da questão pelas pessoas não versadas em Direito (leigas).

Na situação, de mandatos presidenciais sucessivos, como Gandra, penso seja possível abertura de processo de impeachment por improbidade administrativa – no mínimo, culposa. Preciso, pois, inicialmente, dizer no que consiste essa improbidade.

Pelo caput do artigo 11 da Lei 8.429/92 – Lei da Improbidade Administrativa –, ‘Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições’.

E o artigo 85, inciso V, da Constituição Federal prevê crime de responsabilidade ato do presidente da República que atente contra a probidade na administração. Já o artigo 9º, item 3, da Lei 1.079/50, diz ser crime de responsabilidade contra a probidade na administração não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição. Portanto, sem discussão, fato gerador de impeachment.

Porém, à questão se examinará no campo exclusivo da culpa, abstração feita a crime decorrente de dolo, que se pode dizer, com o dicionário, a ‘vontade conscientemente dirigida ao fim de obter um resultado criminoso ou de assumir o risco de o produzir’.

Já a culpa, há de ser enfocada como ‘violação ou inobservância de uma regra de conduta, de que resulta lesão do direito alheio’. Assim, preciso se saiba se Dilma Rousseff agiu com culpa no cometimento do crime de improbidade administrativa. E, em Direito, inserem-se no contexto de culpa as figuras de omissão, imperícia, negligência e imprudência.

Está-se, aqui, no âmbito do escândalo da Petrobras, à sua como que destruição – já que, perto do que foi, reduzida a quase nada. Desde quando? Dos anos de gestão de Dilma como presidente do Conselho da empresa e como presidente da República, por corrupção ou concussão, durante 08 anos, período do desfalque de bilhões de reais, ilicitamente desviados, a par de operações administrativas desastrosas – das quais é exemplo a venda da Refinaria de Pasadena.

Disto, resultou da impossibilidade, sequer, de se auditar o balanço da Petrobras. E à caracterização de culpa, basta o fato de Dilma haver declarado, ao ensejo do episódio de Pasadena, que, se tivesse melhores informações, não teria aprovado o negócio – de quase dois bilhões de dólares. O fato evidencia ou omissão ou imperícia ou imprudência ou negligência, no ato de avaliação do milionário e desastroso negócio.

No mesmo tom, a insistência, no 1º e 2º mandatos, na manutenção da mesma diretoria que levou a empresa à ruína, sem tornar efetiva, sequer, no contexto do artigo 9º, item 3 da Lei 1.079/50, a responsabilidade de subordinados, manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição.

Note-se: sem solução de continuidade entre os referidos mandatos, a indicar, de forma inequívoca, no mínimo, improbidade administrativa culposa (caso se não venha a algo mais apurar no curso das investigações da operação Lava Jato, a título de configuração de crime doloso).

E, efetivamente, à luz deste raciocínio – originalmente, repita-se, do jurista Ives Gandra –, de inquestionável coloração jurídica, existe fundamento legal ao pedido de impeachment baseado na hipótese de culpa – sem os impedimentos que alguns lhe querem dar, sabe-se lá por quais motivos (se de convicção jurídica ou doutra espécie).

Contudo, também como lembrado pelo ilustre jurista, julgamento do impeachment pelo Congresso é mais político que jurídico. Que o diga o caso Collor, afastado da Presidência da República por aquele, embora absolvido da imputação de crime comum pelo STF.

Resta saber, pois, se, diante dos consideráveis ‘sinais de fumaça’, de parte do Poder Legislativo, haverá disposição e vontade política para fazer valer a lei, que, aplicada, profilaticamente, venha a apagar o incêndio ético/moral que acometeu a vida deste País, colocando-o de joelhos!

Por fim, cabe a consignação de que a esta posição jurídica, quanto de suas conclusões, aderiram outros juristas de renome, quais Modesto Carvalhosa
(USP) e Adilson Dallari (PUC-SP) – inda segundo informado por Ives Gandra Martins.