Antena do STJ emite sinais de desvios

Frederico Vasconcelos

Relatório de comissão de sindicância aponta suspeita de licitações dirigidas e prejuízos de R$ 20 milhões. 

Antena inútilReportagem de autoria do editor deste Blog, publicada nesta segunda-feira (23) na Folha, revela que “uma antena de rádio de 50 metros de altura, erguida no estacionamento do STJ (Superior Tribunal de Justiça), não tem nenhuma utilidade a não ser sinalizar a suspeita de mau uso do dinheiro público”.

A compra da torre é parte de uma investigação sobre prejuízos de R$ 20 milhões em contratos do STJ com indícios de superfaturamento e direcionamento de licitação.

Para fornecer e instalar a antena, a Stelmat Teleinformática Ltda., de Cuiabá (MT), venceu um pregão eletrônico de quarenta minutos, realizado na véspera do Natal de 2013 e homologado na véspera do Ano Novo, durante o recesso do Judiciário. Ofereceu lance de R$ 8 milhões.

Para trocar o cabeamento da rede de comunicação de dados do STJ, a Alsar Tecnologia em Redes Ltda., de Brasília, venceu pregão de uma hora, no dia 26 de dezembro de 2013. Ofereceu lance de R$ 37,4 milhões.

Calcula-se um sobrepreço de R$ 13 milhões na troca do cabeamento. Dos R$ 8 milhões da antena, o tribunal pagou R$ 3,5 milhões. O prejuízo total inclui ainda R$ 3,5 milhões pagos à VA&R Informática Ltda.

Comissão de Sindicância criada em outubro de 2014 por determinação do ministro Francisco Falcão, quando assumiu a presidência do tribunal, identificou “fundados elementos indiciários de prática de infrações funcionais e de atos de improbidade administrativa” no processo de aquisição de link de rádio (antena), “fatos que contribuíram para o esgotamento dos recursos orçamentários para a área de Tecnologia da Informação no ano de 2014″.

O relatório não menciona o então presidente do STJ, ministro Felix Fischer. “Só tive conhecimento de possíveis irregularidades na última semana no exercício da Presidência desta Corte através da Secretaria de Controle Interno”, afirma Fischer. “De imediato, determinei providências, inclusive sustando, cautelarmente, pagamentos para evitar eventual prejuízo ao Erário.”

Fischer considera prematuro opinar sobre as conclusões da sindicância aberta pelo sucessor. “Reafirmo o meu interesse que os fatos sejam devidamente esclarecidos e, caso constatadas irregularidades, adotadas todas as medidas legais cabíveis”, diz Fischer.

A ideia do link de rádio (antena) foi atribuída ao receio de vazamentos, uma influência, na época, das revelações do analista norte-americano Edward Snowden. Com o sistema, haveria comunicação direta com as residências dos ministros sem passar por nenhuma operadora.

O Relatório da Comissão Especial de Sindicância abre um capítulo sob o título “Calvário da instalação da torre principal“, em que trata da “sanha” na colocação da antena.

O Coordenador de Engenharia e Arquitetura do STJ, engenheiro civil Guilherme Hudson da Fonseca Valério, disse à comissão que a Engenharia do Tribunal não foi ouvida sobre a instalação no estacionalmento leste. Ele destacou fato de “extrema gravidade”: a tentativa de instalação da torre no teto do prédio, causando, inclusive, risco à integridade física do prédio e à incolumidade dos servidores que trabalham no local.

A torre principal foi instalada já no final da gestão anterior (em julho/2014), “mas não chegou a entrar em funcionamento até os dias atuais, justamente em razão da inobservância de estudos mais elaborados”.

Instalada a torre principal, surgiu então a necessidade de colocação das demais torres nas residências dos ministros, com “nova sucessão de erros advindos da ausência da estratégia de contratação e análise de viabilidade da solução”.

O Senado negou autorização para instalar uma antena na Quadra 309 sul, no prédio de sua propriedade, onde residem cerca de dez ministros.

“Não foi só o ministro Felix Fischer que rejeitou a ideia de se instalar uma antena de cerca de 20 metros de altura no quintal de sua casa”, registra o relatório.

A comissão atribuiu maior responsabilidade ao ex-diretor-geral, Maurício Carvalho, que teria extrapolado o limite orçamentário para aquisições na área de TI sem consultar a área financeira e usado reserva técnica para garantir o contrato com a Alsar.

Carvalho atualmente é assessor técnico do gabinete da Secretaria-Geral da Procuradoria-Geral da República. Foi secretário de Controle Interno do Tribunal Superior Eleitoral e do Conselho Nacional de Justiça. Ele nega as acusações.

Carvalho diz que a antena foi adquirida “por necessidade de segurança, apontada por auditoria independente que condenou a fragilidade e segurança na comunicação e rede do STJ”.

“A antena foi instalada na área externa por orientação da área de engenharia do STJ, que foi previamente consultada, e autorização do IPHAN”, afirma.

Segundo Carvalho, as datas das contratações no final de ano foram determinadas pela área de compras: “Todos os processos licitatórios foram realizados por meio de pregão eletrônico, com vários participantes, com total transparência, tendo acompanhamento simultâneo pelo Tribunal de Contas da União”.

Ele nega extrapolação dos limites orçamentários:  “Os limites, bem como a dita reserva técnica, foram fixados na lei orçamentária e utilizados dentro dos parâmetros legais”.

O diretor-comercial da Alsar Tecnologia em Redes, Ronei Machado, nega superfaturamento na substituição da rede de cabeamento do Superior Tribunal de Justiça. “O pregão contou com participação de 14 empresas. A Alsar sagrou-se vencedora com valor final de R$ 37,1 milhões, uma redução de 12,4% em relação ao valor estimado inicialmente pelo próprio STJ”, afirma.

Segundo Machado, “o valor efetivamente contratado foi de R$ 32,7 milhões. Não há que se falar em sobrepreço se a referência de valor foi determinada pelo próprio STJ”.

Eliane Lavoyer de Araújo, gerente da Stelmat Teleinformática Ltda., diz que o projeto de instalação de rede de comunicação de dados privativa “foi paralisado pela atual gestão, sem qualquer explicação sobre o motivo e sem o pagamento das últimas medições dos serviços executados”.

Ela diz que a Stelmat foi vencedora, dentre seis empresas participantes. “O projeto previu 37 pontos, tendo sido liberada e executada a instalação de 22 deles. Alguns estão operando em modo teste”, diz.

“Temos feito grande esforço para finalizar o projeto, de modo a evitar maiores prejuízos para nós e para o Poder Público”, afirma Eliane Araújo.

A Folha não conseguiu consultar a empresa VA&R Informática Ltda.

Falcão entregou cópia do Relatório da Comissão de Sindicância ao CNJ, TCU, Ministério da Justiça, Ministério Público Federal, Advocacia-Geral da União, Polícia Federal, CADE e TJ-DFT.