Corrupção e fogos de artifício
Sob o título “Ainda a corrupção: Entre a reforma da legislação e a aplicação do que já temos“, o artigo a seguir é de autoria de Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, Juiz de Direito em São Paulo e conselheiro da Anamages (Associação Nacional dos Magistrados Estaduais). O texto foi publicado originalmente no site da entidade. (*)
Mais um grande escândalo de corrupção em nosso país, mais uma vez indignação nas ruas, nova reação extemporânea e impertinente dos Poderes constituídos.
Nos balões de ensaio das novas-velhas propostas dirigidas a salvar a pátria desse mal, temos mais do mesmo: elevação do rigor de leis, diplomas confusos e pautas genéricas de prioridade no julgamento de tais ações.
Fogos de artifício, enfim.
Antes de se pensar em transformar a corrupção em crime hediondo, as instituições deveriam refletir como efetivamente se aplicar o direito vigente para combater tais delitos.
O papel do direito estatal sancionador, seja na esfera administrativa, seja na penal, é o de dissuadir a prática de condutas ilícitas.
Enquanto não se conseguir imprimir às ações que envolvem crimes de corrupção e improbidade administrativa ritmo adequado, com instrução célere e eficiente, além de sentença definitiva em horizonte próximo, nosso sistema jurídico continuará a não se prestar aos fins a que se propõe.
Alguma das novidades aventadas vai nesse sentido?
Não.
Para ficarmos em apenas uma omissão escandalosa, vale mais uma vez repisar a inviabilidade de se produzir provas técnicas nas ações de improbidade administrativa pelo singelo fato de o art. 18 da Lei 7.347/85 [1] isentar o propositor da demanda do adiantamento de custas.
A lei fala que o autor da ação não precisa adiantar custas. Logo, como se produz a prova?
Não se produz.
Eis o retrato de nosso país. Uma lei que trata da proteção dos bens mais caros à nossa sociedade (como o patrimônio público) tem sua aplicação comprometida por uma omissão em seu texto, contra a qual não se vê muito ânimo de superação.
Em decisões judiciais vem-se impondo ao Estado o custeio dessas provas. Nada mais lógico.
O Estado é responsável pelo funcionamento da Justiça. Se determinada prova precisa ser produzida para permitir a prestação de jurisdição, para a aplicação da lei no caso concreto, o Estado deve prover meios para que tanto aconteça.
De qualquer modo, como a lei não é unívoca a respeito, toda a vez que se deve designar peritos para esclarecimento de matéria técnica, instaura-se nos processos respectivos discussão que geralmente é levada até os Tribunais superiores, cuja resposta quanto ao incidente, como é sabido, não raramente demora alguns anos.
Solução para o impasse?
Os atores desse teatro trágico parecem não estar preocupados com o tema.
Até quando?
A Lei n. 7.347/85 está para completar 30 anos. Será que nossa sociedade não merece que ela, enfim, possa ser plenamente aplicada? Que façamos algo sério dessa vez. No lugar de ilusões, o brasileiro, que com seus impostos custeia todo aparato estatal, merece algo melhor do que discursos vazios.
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(1) Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais
(*) O autor é Mestre e Doutorando em Direito do Estado