Terceirização e rolo compressor
Sob o título “Terceirização: a hora e a vez do Legislativo. Otimismo ingênuo?”, o artigo a seguir é de autoria de Maria Rita Manzarra de Moura Garcia, Juíza do Trabalho Titular da 3ª Vara do Trabalho de Mossoró, RN, Presidente da AMATRA21 e membro da Comissão Legislativa e de Prerrogativas da ANAMATRA.
“É difícil melhorar nossa condição material com leis boas, mas é muito fácil arruiná-la com leis ruins.” Franklin Delano Roosevelt
Inúmeros artigos já foram publicados desde a aprovação, na Câmara Federal, do texto base do Projeto de Lei que visa regulamentar a Terceirização (PL 4330/04). Difícil, então, não incorrer em repetição, todavia, vale o risco… Ninguém merece sentir-se sufocado por palavras não ditas.
O conflito entre capital e trabalho é antigo, sabemos bem… Que o capitalismo é selvagem, também não é novidade. Só que nas últimas semanas, no Congresso Nacional, o capital tem agido como verdadeiro rolo compressor, como há algum tempo não se via. A crise política e a desesperança no atual governo criam o cenário propício para o agigantamento do conservadorismo e pragmatismo neoliberal. Defender o trabalhador e o direito do trabalho tornou-se sinônimo de óbice ao desenvolvimento, de entrave à modernidade. Simplesmente “démodé”.
Escutamos da tribuna, de parlamentares empresários (ou empresários parlamentares), que a aprovação do PL gerará mais empregos e será benéfico para os trabalhadores. Estaria o autor do Projeto –-empresário, um dos maiores produtores de biscoito da América Latina– e seus apoiadores, realmente preocupados em proteger o trabalhador?
Falácia, pura falácia…
O que ocorrerá, na realidade, será a precarização das relações de trabalho. Não teremos NOVOS empregos, mas a transformação dos existentes em empregos piores. Em questão de pouco tempo, assistiremos à dispensa em massa de empregados contratados diretamente, a fim de serem substituídos por empregados terceirizados, muito, mas muito mais baratos para o empregador. Afinal, pelo novo Projeto, será permitido que uma empresa funcione apenas com terceirizados, sem nenhum empregado contratado diretamente.
Estudos do DIEESE comprovam, como já reiterado na mídia, que os trabalhadores terceirizados percebem salário 27% menor que o recebido por trabalhadores contratados diretamente; laboram, em média, 3 horas a mais de jornada por semana; passam, em média 2,6 anos a menos no emprego e sofrem mais acidentes de trabalho, pois de cada cinco trabalhadores que morrem no trabalho, quatro são terceirizados. Não, definitivamente não queremos “novos” postos de trabalho a esse custo.
Se este Projeto é tão bom para a classe operária –-como insistem alguns-– é de se indagar: qual o benefício concreto trazido pelo Projeto, que não esteja, hoje, garantido aos trabalhadores? A resposta é simples: NENHUM.
O instituto da terceirização, a despeito de não regulamentado por lei, é regido atualmente por uma súmula editada pelo Tribunal Superior do Trabalho. Esta súmula (331) estabelece, em síntese, limites à utilização do instituto e preceitua regra de responsabilização do tomador de serviços, no caso de inadimplemento das verbas devidas ao trabalhador.
O Projeto de Lei 4330, em trâmite na Câmara dos Deputados, não concede absolutamente nada A MAIS para o trabalhador: não garante isonomia salarial, não prevê maior garantia do pagamento dos seus créditos através da responsabilidade solidária do tomador e não garante a filiação ao sindicato de atividade preponderante da empresa contratante, admitindo-a apenas nos casos em que o contrato de terceirização se der entre empresas que pertençam à mesma categoria econômica (o que, na prática, dificilmente ocorrerá). Ao revés, permite a aplicação indiscriminada do fenômeno, em todas as atividades da empresa, no afã de atender, unicamente, a interesses econômicos próprios do empregador.
É digno de nota, ainda, que o texto base do Projeto aprovado na sessão de 8/4/2015, visava permitir, inclusive, a terceirização em atividade fim de empresas públicas e sociedades de economia mista, incorrendo em flagrante burla à regra do concurso público e aos princípios da moralidade administrativa e impessoalidade. A seleção em caráter impessoal, que assegura que os candidatos concorram em igualdade de condições, estaria com seus dias contados, pois a terceirização da atividade fim, no âmbito administrativo, significaria a redução drástica das vagas em concurso público. Tal distorção, ao que parece, restou sanada com a aprovação em Plenário, na votação de 14/4/2015, de destaque de emenda apresentado pelo PSDB, que visou justamente suprimir do texto base do PL4330 a possibilidade de terceirização da atividade fim na Administração Indireta.
E aí a pergunta aflora novamente: a quem este Projeto realmente beneficia?
Aqueles que defendem a aprovação do texto tentam, a todo custo, denegrir a postura de entidades sindicais que lutam pela sua rejeição. Luta esta, frise-se, absolutamente desigual, pois nem mesmo acesso à Câmara dos Deputados [Casa do Povo?], no dia da votação, tiveram. Por outro lado, todo o empresariado transitava livremente pelo Salão Verde da Câmara, com amplo direito de ir e vir, e com todas as facilidades de abordagem aos parlamentares…. Pois bem. Afirmam os simpatizantes do PL, dentre eles o Presidente da Câmara, que a real preocupação das entidades sindicais estaria centrada em interesses pela contribuição sindical. Tratar-se-ia, então, simploriamente, de disputa de dinheiro (de parte a parte). Por apego ao debate, admita-se que isto seja verdade. Como justificar, então, que o Judiciário Trabalhista, em peso, firme posição contrária à regulamentação da Terceirização, da forma como posta? Aqui, seguramente, não há “disputa de dinheiro” em jogo. O que querem, então, estes juízes do trabalho?
É bom que se diga que a aprovação do PL implicará, em breve, um tsunami de processos na Justiça do Trabalho. Este aumento expressivo de processos, na nossa sistemática, traduz-se em mais poder, em expansão e reafirmação da imprescindibilidade desta Justiça Especializada, pois a criação de novas unidades jurisdicionais está diretamente vinculada ao número de demandas ajuizadas. Seria então, sob este viés (minimalista), positiva para os juízes do trabalho e mais fácil, para eles, quedarem-se inertes, assistindo impassíveis ao rolo compressor do empresariado e a aprovação do PL, na espera de benefício próprio que mais adiante seria colhido.
Poderiam assim agir, contudo, não o fazem.
A magistratura trabalhista através de sua entidade representativa – a ANAMATRA, batalha incansavelmente pela rejeição do PL 4330. Luta incessantemente contra a utilização indiscriminada e sem limites da terceirização, fenômeno comprovadamente nefasto ao trabalhador. Trata-se, pois, de uma concreta preocupação social, desatrelada de interesses econômicos de qualquer ordem, o que, para muitos, infelizmente, ainda é difícil de entender.
Se a Câmara dos Deputados encontra-se acometida de incontida pró atividade para regulamentar a Terceirização, em prol do trabalhador –-como dizem–, ótimo!
Aproveitemos o momento e aprovemos um Projeto de Lei que, diferentemente do que está em votação, vá ALÉM do que hoje está garantido pela súmula 331, do TST, ou que, pelo menos, não reduza o que ali se construiu, regredindo garantias conquistadas historicamente.
É a hora de afastar a desesperança. É a vez de resgatar a crença do povo brasileiro na construção de um país melhor. É, portanto, a hora e a vez do Poder Legislativo. E que não sejamos, uma vez mais, vítimas de nosso otimismo ingênuo.