Ainda sobre a CVM e a Petrobras

Frederico Vasconcelos

Sob o título “A manipulação do mercado“, o artigo a seguir é de autoria do advogado e Procurador Regional da República aposentado Rogério Tadeu Romano.

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Noticia-se que a Comissão de Valores Mobiliários(CVM) decidiu abrir um processo administrativo sancionador contra ex-integrantes do Conselho de Administração da Petrobras. Tal procedimento vai apurar se os acusados induziram os investidores a erro ao aprovarem medidas que prejudicaram os negócios da companhia.

Fala-se que a investigação foi aberta a partir de três processos administrativos. A intenção da CVN é apurar a responsabilidade dos investigados ao aprovarem o plano de negócio da estatal para o período de 2014 a 2018 e a política de preços dos produtos da companhia. Em nota foi dito que “Neste sentido, a acusação se baseia na falsa expectativa que foi gerada ao mercado em razão da divergência entre as divulgações feitas pela companhia sobre a politica de preços e a forma como ela foi levada a efeito pelos administradores na prática”. Assim ao  aprovarem o Plano de Negócios 2014-2018, eles também teriam concordado com uma politica de controle de preços de combustíveis do governo que inviabilizava o cumprimento das metas.

É necessário investigar se houve ou não manipulação de mercado.

Lembre-se que pode acontecer nas negociações de uma sociedade anônima a chamada manipulação do mercado.

Em Portugal são proibidos comportamentos negociais ou informativos que, pela sua natureza ou consequências, sejam idôneos a criar uma situação enganadora sobre um valor mobiliário ou sobre uma entidade emitente, no que se lê do disposto no artigo 379, I, do CdVM que proíbe, com consequências penais, as seguintes condutas: divulgação de informações falsas, incompletas, exageradas ou tendenciosas; realização de operações de natureza fictícia e execução de outras práticas fraudulentas.

Há tipologias próprias, em Portugal, com relação a práticas manipuladoras:

a) Transacções fictícias (wash trades): prática que consiste em efectuar transacções em que não há qualquer alteração do beneficiário económico do instrumento financeiro transaccionado.

b) Pintar a fita (Painting the tape): prática que consiste em efectuar uma transacção ou uma série de transacções que adquirem visibilidade através de meios acessíveis ao público, de forma a dar a impressão enganosa de actividade ou movimentação do preço de um determinado instrumento financeiro.

c) Acasalamento de ordens (Improper matched orders): prática que consiste na introdução temporalmente próxima, pela mesma pessoa ou por pessoas diferentes agindo em concertação, de ordens de compra e de venda com o mesmo preço e quantidade (a menos que as transacções sejam legítimas por serem efectuadas no âmbito do que é permitido pelas regras do mercado em causa).

d) Introdução de ordens sem intenção de as executar: esta prática consiste na introdução de ordens, especialmente em sistemas de negociação electrónicos, a um preço mais alto ou mais baixo do que a oferta de venda ou de compra anterior. A intenção não é de que a ordem seja executada, mas sim a de dar a impressão de que existe oferta ou procura daquele instrumento financeiro.

e) Marcação do preço de fecho (Marking the close): prática que consiste na compra ou venda de instrumentos financeiros na altura do fecho do mercado, de forma a influir na determinação do preço de fecho, em particular quando este constitui preço de referência.

f) Concertação na sequência de Oferta Pública de Subscrição: esta prática consiste na concertação entre pessoas que adquiriram instrumentos financeiros numa Oferta Pública de Subscrição no sentido de adquirirem mais instrumentos assim que se inicia a sua negociação em mercado, por forma a fixar o seu preço num nível artificial, gerando interesse dos restantes investidores, vendendo em seguida.

g) Abuso de posição dominante (Abusive squeeze): prática que consiste em alguém que tem uma influência significativa sobre a oferta ou procura de determinado instrumento financeiro, aproveitar-se dessa possibilidade de forma a distorcer o preço de referência para o cumprimento de obrigações decorrentes de operações sobre aqueles instrumentos financeiros. Saliente-se, todavia, que a normal interacção entre a oferta e a procura pode, em alguns casos, conduzir a um decréscimo da procura em mercado, mas tal facto não constitui por si manipulação de mercado.

h) Sustentação do preço (Creation of a floor in the price pattern): esta prática é normalmente levada a cabo por emitentes ou por entidades que os controlam e consiste em realizar transacções ou emitir ordens de forma a impedir que o preço desça abaixo de um determinado nível. Esta prática tem de ser distinguida da realização de transacções no âmbito de programas de recompra de acções próprias ou de estabilização, desde que efectuadas dentro das condições legalmente permitidas.

i) Controlo do spread (Excessive bid-ask spreads): conduta que consiste em intermediários financeiros (por exemplo, especialistas e market makers), actuando concertadamente e aproveitando o seu poder de mercado, designadamente pela ausência de concorrentes, introduzirem ordens com o objectivo de alterar o spread ou mantê-lo a um nível artificial.

j) Manipulação inter-mercados: prática que consiste em efectuar transacções sobre um instrumento financeiro num mercado de forma a influenciar o seu preço, ou o de um instrumento financeiro com ele relacionado, noutro mercado (o que pode ser realizado, designadamente, através de uma estratégia de marking the close).

k) Disseminação de informação falsa ou enganosa através dos media, incluindo Internet, ou por qualquer outro meio de divulgação com a intenção de produzir uma alteração no preço de um instrumento financeiro. Esta prática pode articular-se com transacções sobre os instrumentos financeiros visados pela informação ou instrumentos com eles relacionados.

l) Compra seguida de disseminação de informação falsa e de venda (Pump and dump): prática que consiste em adquirir uma posição longa num instrumento financeiro e posteriormente disseminar informação enganosa de natureza positiva acerca do instrumento financeiro em causa com o objectivo de produzir um aumento do seu preço em mercado e o interesse dos demais investidores, momento em que a posição é alienada.

m) Venda seguida de disseminação de informação falsa e de compra (Trash and cash): prática oposta ao pump and dump. Consiste na assunção de uma posição curta num instrumento financeiro e posterior disseminação de informação enganosa negativa com o objectivo de fazer baixar o preço do instrumento financeiro em causa, momento em que a posição é fechada, ganhando-se na diferença entre o preço de venda e o posterior preço de compra.

n) Abrir uma posição e fechá-la imediatamente após a sua divulgação. Esta prática é normalmente desenvolvida por gestores de carteiras e outros grandes investidores, cujas decisões de investimento são normalmente tidas em consideração pelos outros investidores como sinais relevantes da dinâmica do mercado. A prática consiste em estes investidores venderem a sua posição imediatamente após terem divulgado a sua detenção, enfatizando o facto de se tratar de um investimento a longo prazo.

No Brasil, a conduta específica de realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, por exemplo, é disposta em legislação extravagante.

Tem-se o tipo penal disposto no artigo 27 – C da Lei 10.303/2001:

Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

O crime envolve a conduta de criar condições artificiais de demanda e ou oferta desses títulos, objetivando tornar os preços irreais. Assim estaria minada a confiança dos investidores no mercado, pois são criados novos riscos além daqueles normais do mercado a gerar ineficiência. Desta forma  o agente, através de manipulações do mercado, simula um risco elevado para determinada ação, acarretando a desvalorização desta, de forma a inibir investidores que seriam  atraídos para comprar uma ação de alto risco, sendo que poderiam comprar  uma outra com menor risco, reduzindo, de forma artificial, a demanda, pois quanto menor esta, menor será o preço. O agente assim, com a manipulação, poderia comprar estes papeis a preços muito baixos e revendê-los, logo após, a preços mais altos após estar normalizado o mercado. Essa conduta traria prejuízos ao mercado. Ainda poderia acontecer tal quando algumas pessoas realizam uma série de operações seguidas de compra e venda que vão crescendo de modo a criar uma ilusão de que o valor  das ações seria muito maior do que realmente valeriam, trazendo prejuízos a investidores de boa-fé, que comprarem essas ações supervalorizadas. Cria-se uma situação artificiosa, em estado de fraude, onde se busca valorizar ações que detém para vê-los negociados a altos preços, quando, na verdade, não ostentam tal valor. Buscam desvalorizar ações que pretendem, para adquiri-las, por ninharias, para, logo em seguida, revendê-las pelo valor que efetivamente possuem obtendo assim o lucro fácil, em prejuízo e até quebra de empresas envolvidas.

Trata-se de crime formal que tem como elemento do tipo a forma dolosa.

Sujeito ativo do crime é o administrador. Mas somente poderá ser responsabilizado como administrador aquele que exercer poder de gestão na instituição, direcionando e organizando a sua vida social. Não se trata de ocupar um cargo meramente figurativo, mas se trata de saber se o administrador contribuiu ou não para a infração. Na Lei das Sociedades Anônimas, administrador é o diretor, bem como o conselheiro, membro do Conselho de Administração. Essa a melhor interpretação a ser dado ao conceito de quem pode cometer tal crime.

De toda sorte, devem ser evitados os equívocos que são detectados nas chamadas “denúncias coletivas”, genéricas, que indicam, sem trazer  a forma de conduta, todos os dirigentes da instituição, instaurando procedimentos penais sem justa causa, passíveis inclusive de habeas corpus, para trancamento. Com isso deverá ser demonstrado, na peça acusatória, o nexo causal entre o comportamento do administrador e o crime, uma vez que não se permite a responsabilidade objetiva.