Juiz do TJ-RJ condena auxílio-educação

Frederico Vasconcelos

“Não seremos nós juízes que nos misturaremos com aqueles que vivem lesando nossa pátria com artifícios.”

Sob o título “Auxílio Educação para Todos!”, o desembargador Siro Darlan divulgou no último dia 18 em seu blog carta aberta dirigida ao presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, contra o auxílio-educação.

Segundo o desembargador, “tal benefício não representará NENHUMA MELHORIA na qualidade do serviço jurisdicional, porque não se dirige ao aperfeiçoamento do magistrado ou do servidor, mas de seus filhos (!), pessoas absolutamente estranhas ao Poder Judiciário”.

Eis a íntegra da mensagem:
Siro Darlan no blog

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Prezado Presidente Luís Fernando

Um grupo de magistrados não apoia nem deseja receber dos cofres públicos o financiamento dos custos de educação de seus filhos e dependentes. Para isso recebemos nossos subsídios pagos para que possamos com o custo de nosso árduo trabalho financiar as despesas de nossas famílias e as pessoais.

Assim como já fizeram alguns magistrados, estou dividindo com o público que em primeira instancia é nosso “patrão” e a quem devemos prestar contas. O país vive uma crise institucional e financeira sem precedentes e não seremos nós magistrados que nos misturaremos com aqueles que vivem lesando nossa pátria com artifícios os mais indignos. Não apoiamos essa proposta que foi feita por administrações anteriores com as quais manifestamos nossa discordância e não apoiaremos agora que aprovamos a sua eleição para Presidente do Tribunal de Justiça.

Permita-me dividir uma preocupação que, literal e fisicamente, não nos tem permitido dormir tranquilos.

V. Exa. coloca como vitória o encaminhamento ao Parlamento Estadual um projeto de lei visando a concessão de “auxilio educação” para magistrados e servidores.

O que preocupa é a FONTE DE CUSTEIO deste benefício.

Ele será integralmente custeado pelo Fundo do Tribunal de Justiça e esta é a razão declarada pelos Deputados de que aprovarão o projeto sem qualquer problema, pois “não sairá dos cofres do Estado”.

Mas, permita-me a expressão de linguajar popular: “o buraco é mais embaixo”.

Este benefício será custeado integralmente pela população que precisa receber a prestação jurisdicional, pois é ela quem nutre, quase que em sua totalidade, os recursos do Fundo do Tribunal, através do pagamento da taxa judiciária e das custas judiciais.

Mas a população, além de já suportar elevada carga tributária, não tem nenhuma obrigação de custear a educação dos filhos dos magistrados e dos servidores do Tribunal de Justiça.

A uma, por que não tem esta responsabilidade legal; a duas, porque são filhos de servidores públicos muito bem remunerados; a três, porque a taxa e as custas judiciais não se destinam a custear benefícios pessoais de magistrados e servidores.

Reconhecemos, de pronto, evidente desvio de finalidade na aplicação dos recursos do Fundo do Tribunal da Justiça. E pior, repito: custeados pela população que não tem esta obrigação legal.

Por princípio e por ser razoável, cada um deve ser responsável pelas despesas de educação dos seus filhos ou se servir da educação fornecida pelo Estado.

Mas jamais aquele que precisa fazer uso da Justiça para receber o que é seu (considerando que não existe outro meio de composição de conflitos, quando as partes não conseguem conciliar por si própria).

Preocupa também o PRECEDENTE que tal projeto inaugura.

Se hoje impomos ao demandante que suporte a escola dos filhos dos magistrados e dos servidores, porque amanhã não lhes imporemos também que suporte a aquisição da casa própria, por mais absurdo que possa parecer? Ou, afinal, não estamos aí com o “auxílio moradia” sendo pago?

O custeio de um benefício exclusivista, destinado a uma pequena casta de servidores públicos (magistrados e servidores), pagos com salários bem acima do mercado e muito acima daqueles pagos por funções equivalentes no Poder Executivo e no Poder Legislativo, é um evidente desvio de finalidade, com repercussões, inclusive, na seara da improbidade administrativa.

Mais ainda: rompe uma barreira moral que até agora não tinha sido ultrapassada: a utilização de recursos constituídos quase que exclusivamente pelo usuário da Justiça, através de recolhimentos de custas e taxas (e que não são baratas considerando a qualidade questionável dos serviços jurisdicionais), para o pagamento de educação particular para servidores e magistrados.

E tal benefício não representará NENHUMA MELHORIA na qualidade do serviço jurisdicional, porque não se dirige ao aperfeiçoamento do magistrado ou do servidor, mas de seus filhos (!), pessoas absolutamente estranhas ao Poder Judiciário, o que evidencia, mais uma vez, o desvio de finalidade na utilização dos recursos carreados ao Fundo pela população necessitada.

Não existe qualquer justificativa moral para tal medida, para o desperdício de recursos vultosos, em caráter permanente, em benefício de pessoas que, efetivamente, dele não precisam.

Tal medida não será questionada pelos servidores porque também serão beneficiados; também não será questionado pelo Ministério Público, porque ele já o recebe; não será obstada pelos Deputados, porque a pecha recairá exclusivamente sobre o Poder Judiciário e porque o Estado não despenderá nada com a sua aprovação.

Mas seremos nós, o Poder Judiciário, mais uma vez, que suportaremos o opróbio da população.

A tão abusada justificativa da “equiparação entre os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público” não pode valer (ao menos neste caso), pois os recursos provem de “contribuições” daquele que se socorre da Justiça, ao passo que o Ministério Público faz uso de sua verba orçamentária (embora também com finalidade igualmente questionável).

Felizmente (ou infelizmente) para a população, estes “pormenores” talvez jamais serão de seu conhecimento, mas não podemos nos esquecer da mídia.

Mas, mais importante, não podemos nos esquecer de nosso papel individual e institucional na construção deste País, desta Nação, que tanto almejamos alcance patamares de Civilização em que a Dignidade da pessoa humana seja garantida por um Regime Republicano e Democrático, em que o Poder Judiciário seja, efetivamente, o fiel da balança na contenção dos abusos do Poder e do Estado.

Afinal, somos também “o Estado” suportado pela Sociedade.

E não podemos dizer, como justificativa, que prestamos um serviço de melhor qualidade ou de qualidade superior àquele prestado pelo Executivo ou à qualidade da representação política atualmente existente no Poder Legislativo.

Enquanto magistrados, cidadãos e enquanto representantes de um Poder, devemos nos preocupar com as escolhas que fazemos, pois as consequências advirão das decisões que hoje tomamos.

Não se pode vislumbrar nenhuma relação do auxílio educação com o cumprimento da Missão Constitucional do Poder Judiciário de prestar jurisdição.

Muito menos de qualidade, pois não existe qualquer relação entre o beneficiário final (os filhos) e o serviço jurisdicional.

Ora se há recursos, porque não destiná-los para a melhoria da educação pública, apadrinhando CIEPs e Escolas de ensino fundamental e propiciando aos jovens as condições educacionais que os capacitem ao exercício pleno da cidadania? Fica a sugestão.

Serve esta missiva como registro da preocupação de diversos magistrados que zelam por sua Instituição, que se juntaram a V. Exa. nessa caminhada na certeza de uma real fidelidade aos princípios mais elevados em prol de um Poder Judiciário Independente voltado para a realização de uma Sociedade mais Justa, Democrática e, acima de tudo, mais Republicana.

Magistrados parceiros pela Democracia e pela ética e Coordenação Rio da Associação Juízes para a Democracia