Falta debate público sobre o auxílio-moradia pago ao Ministério Público
Candidatos a Procurador-Geral discutem em rede interna do MPF a retroatividade do benefício.
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Eis as questões apresentadas por um procurador da República na rede institucional do MPF aos quatro candidatos [Rodrigo Janot, Carlos Frederico Santos, Mario Luiz Bonsaglia e Raquel Dodge]:
– Considerando que alguns tribunais de justiça e ministérios públicos estaduais já têm deliberado pelo pagamento do auxílio moradia administrativa e retroativamente;
– Considerando que a LC 75 já prevê tal benefício do auxílio moradia aos membros do MPU desde 1993;
– Considerando que apenas em 2014, felizmente, o Dr. Janot prometeu e garantiu o auxílio-moradia para todos.
INDAGO AOS CANDIDATOS:
1) o que pensam acerca da possibilidade de garantir o pagamento do auxílio-moradia anteriormente a 2014?;
2) em sendo afirmativa a resposta, o pagamento seria a partir de 1993 (promulgação de nossa lei orgânica) ou levaria em consideração a prescrição quinquenal?; e
3) o deferimento do pleito seria autônomo ou apenas em caso de pleito favorável reconhecido pelo judiciário aos magistrados?
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Comentários de Rodrigo Janot:
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Nestes 21 meses do primeiro mandato, priorizamos, nas verbas de pessoal, o reajuste e recomposição dos subsídios e o pagamento da gratificação de acumulação de ofícios. Vencida essa pauta, poderemos avançar na obtenção de crédito para os demais direitos.
No custeio, garanti pagamento do auxílio-moradia, restabeleci o pagamento de diárias nos termos da LC 75/1993 e promovi pagamento de ajuda de custo em remoção a pedido em todos os requerimentos; resta novo pagamento programado para este mês de junho. A política de atenção aos justos direitos de todos, que procuro assegurar com segurança e equilíbrio, não cessará. Não vendo ilusões. Posso afirmar, pois minhas decisões demonstram isso, que, estando no cargo, não retrocederemos ao quadro aflitivo que passamos em 2013 e nos anos anteriores.
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Comentários de Raquel Dodge:
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Fui autora do Projeto de Resolução do Conselho Superior do Ministério Público Federal sobre auxílio-moradia, cuja deliberação precipitou os acontecimentos que levaram à concessão deste benefício.
Entendo que o pagamento retroativo é devido e deve respeitar o prazo de prescrição quinquenal.
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Comentários de Mario Bonsaglia:
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Em 1997, organizei em São Paulo a propositura da primeira ação de membros do MPF pela correção de 11,98% na remuneração, decorrente de erro na remuneração por ocasião da conversão da URV em real (1994). Obtivemos liminar e o pagamento de substanciosos valores retroativos. Essa ação individual em litisconsórcio e algumas outras que se seguiram imediatamente a ela, propostas por meio da saudosa colega aposentada e então já advogada, Cleide Previtalli Cais, incluíram não apenas colegas de São Paulo, mas também outros do Rio de Janeiro e de Brasília.
Encaminhei todo o material pertinente a essa ação à ANPR, que entrou então com uma ação própria, também na Justiça Federal em São Paulo, valendo-se da mesma advogada.
A mesma coisa viria a acontecer anos depois no que diz respeito à PAE (Parcela Autônoma de Equivalência). Vale dizer, organizei um primeiro grupo de colegas e ingressamos exitosamente também na JF/SP, para reivindicar o pagamento de verba relacionada a auxílio-moradia que era percebido pelos parlamentares. A ação prosperou e foi replicada por outros colegas e também pela ANPR, a quem encaminhei os subsídios necessários, em ação igualmente proposta no foro da JF/SP.
Essas pioneiras ações judiciais em matéria remuneratória, a que se seguiram diversas outras, tiveram como pano de fundo o aperto remuneratório verificado na década de 1990.
A propósito, convém ter em mente que a remuneração dos membros do MPU está sujeita a ciclos, com seus altos e baixos, jamais podendo se descuidar desse tema.
Um ponto fundamental a ser sempre observado é o da paridade remuneratória entre magistrados e membros do MPU. As ações de cunho remuneratório, acima mencionadas, que tomei a iniciativa de promover representaram imediata replicação das ações propostas pela Associação local de juízes federais de São Paulo (AJUFESP).
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Comentários de Carlos Frederico Santos:
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O problema atual do MPF não é autorizar pagamentos, mais sim pagar o devido. Criou-se um passivo enorme com a PAE e a própria conversão da Licença Prêmio em pecúnia. Não se paga porque não tem caixa. Até onde sei, tem-se negado sucessivos pedidos de crédito suplementar. Há de se reorganizar nossa situação orçamentária. Quanto a sua pergunta em si creio que deva haver uma movimentação do PGR no CNMP, uma vez que é o presidente do órgão, para que haja uma solução uniforme da questão. Mas volto a dizer, o problema maior é a situação orçamentária. Não adianta deferir e não pagar. Estamos nos acostumando a ganhar e não levar.
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Dois motivos recomendariam um amplo debate público sobre a questão do auxílio-moradia: a) a atuação do atual Procurador-Geral da República e b) o silêncio em torno de manifestações públicas de alguns procuradores contrários a esse benefício, que subscreveram manifesto do ex-procurador-geral Cláudio Fonteles condenando os “penduricalhos que ludibriam o texto constitucional” e contemplam “quem já habita há anos, há decadas, em residência própria”.
A controvérsia em torno desse privilégio ficou exposta na aparente retaliação –pelo Conselho Nacional do Ministério Público– ao procurador da República Davy Lincoln Rocha, de Joinville (SC), que inicialmente criticou e depois requereu o que chamara de “deslavado jabá”.
A título de estimular esse debate, eis trecho do parecer de Rodrigo Janot na Ação Originária 1773, na qual o ministro Fux determinou o pagamento de auxílio-moradia a juízes federais:
“Diversamente do que pondera a União em sua resposta, o direito dos juízes ao auxílio-moradia não é obstado pelo fato de serem lotados em localidade diversa daquela em que antes residiam. As carreiras da magistratura judicial e do Ministério Público são as únicas às quais a Constituição da República atribuiu a garantia especial da inamovibilidade. Por essa razão, fora da hipótese de remoção compulsória, de caráter punitivo (arts. 42, III, e 45, I, da LOMAN), os juízes (assim como os membros do Ministério Público) somente podem mudar de lotação por meio de remoção voluntária. Não cabe, em consequência, se lhes aplicar condições que são próprias dos servidores públicos em geral, os quais não detêm idêntica garantia.
As vantagens asseguradas pela Constituição aos cargos de juiz e de membro do Ministério Público constituem conjunto de prerrogativas destinadas a recrutar e manter nessas funções cidadãos com os mais elevados atributos intelectuais, éticos e profissionais, em vista da gravidade dos atos que praticam, reveladores de parcelas relevantes do poder estatal.
A natureza de magistratura dessas duas carreiras (amplamente reconhecida nos países de sistema jurídico mais próximo do brasileiro no plano internacional, como são os da Europa Ocidental) justifica que se lhes dê tratamento jurídico (inclusive remuneratório) particular, diverso do das demais carreiras de Estado e equiparável apenas aos dos demais agentes políticos.
Os próprios concursos para provimento de cargos de juiz e de membro do Ministério Público, em todas as esferas (federal, trabalhista, estadual, militar), são muito semelhantes em termos de abrangência e rigor, o que igualmente aproxima ambas as carreiras.
Isso de modo algum significa demérito ou capitis diminutio para outras relevantes carreiras públicas, como as de advogado público, consultor e defensor, apenas o reconhecimento da diferença de atribuições e de regime que há entre estas, de um lado, e as da magistratura judicial e do Ministério Público, de outro.”
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(*) Eis o que prevê a Lei Complementar Nº75/1993, a Lei Orgânica do Ministério Público da União:
Art. 227. Os membros do Ministério Público da União farão jus, ainda, às seguintes vantagens:
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VIII – auxílio-moradia, em caso de lotação em local cujas condições de moradia sejam particularmente difíceis ou onerosas, assim definido em ato do Procurador-Geral da República;
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