Crônica da impunidade anunciada
Nesta terça-feira, quando realiza a última sessão plenária do semestre, o Conselho Nacional de Justiça poderá encerrar o julgamento de um dos casos mais controvertidos que tramitou no órgão de controle externo do Judiciário: trata-se do processo administrativo disciplinar contra os desembargadores federais Nery da Costa Júnior e Gilberto Rodrigues Jordan, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Eles são acusados de forjar em 2011 uma força-tarefa em Ponta Porã (MS) para beneficiar o Grupo Torlim, promovendo a liberação de bens apreendidos pela Justiça.
O processo se encontra com 7 votos pela condenação e 5 pela absolvição. A decisão final depende do voto vista do presidente do órgão, ministro Ricardo Lewandowski.
Se o presidente acompanhar a maioria, será aplicada a pena de aposentadoria compulsória. Se acompanhar a relatora, conselheira Deborah Ciocci, votando pela absolvição, os dois desembargadores estarão livres da condenação.
Ou seja, mesmo prevalecendo a maioria dos votos pela condenação, deixa-se de aplicar a pena, pois exige-se maioria absoluta para a aposentadoria compulsória.
O caso Nery Júnior/Gilberto Jordan atravessou os mandatos de três corregedores nacionais.
Reportagem de Leandro Colon, publicada na Folha em 16/6/2012, informou que a investigação do CNJ apontava “evidências” de que Nery Jr. e Gilberto Jordan usaram seus cargos para favorecer um frigorífico acusado de sonegação e crimes tributários estimados em R$ 184 milhões.
Advogados dos dois magistrados alegaram “perseguição pública e notória” contra Nery Júnior –“réu escolhido a dedo”– e que as acusações eram “insinuação maldosa” e uma “fantasia” do MPF.
A investigação teve início em 2011, quando a ministra Eliana Calmon instaurou a sindicância. O processo disciplinar foi aberto na gestão do ministro Francisco Falcão. A atual corregedora, ministra Nancy Andrighi, votou pela condenação dos dois magistrados.
Em setembro de 2013, por dez votos a quatro, os dois magistrados foram afastados provisoriamente do cargo. Dois meses depois, uma liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio determinou o retorno de ambos às atividades judicantes.
Na atual gestão, o caso foi marcado pelas dificuldades do colegiado para levar o processo a julgamento.
Em agosto de 2014, na primeira sessão depois do recesso, a conselheira Deborah Ciocci, juíza do TJ-SP, alegou problemas com a localização de testemunhas e pediu a prorrogação do processo.
Somente no dia 10 de março de 2015, a relatora apresentou seu voto de absolvição dos desembargadores.
“Embora possa ter havido indícios de que Nery contribuiu para a realização da força-tarefa, não há prova de que não havia excesso de trabalho na vara, nem de que houve conluio no tribunal para julgar esse caso. Tanto tinha excesso de trabalho que o tribunal abriu uma nova vara em Ponta Porã tempos depois. Não dá para ter certeza que a força-tarefa foi criada para julgar determinada causa”, argumentou a conselheira.
Na mesma sessão, os conselheiros Gilberto Martins e Nancy Andrighi pediram vista regimental.
Pelo Regimento do CNJ o voto vista deve ser apresentado na sessão subsequente. Portanto, na sessão de 24 de março, o presidente Lewandowski deveria ter retomado o julgamento, assim como deveria ter feito nas sessões de 7 de abril e 28 de abril. Nesta última, o colegiado estava com a composição plena de seus membros, pois completavam seus mandatos os conselheiros Guilherme Calmon e Maria Cristina Peduzzi.
Somente na sessão de 12 de maio, com a composição incompleta, e com a ausência da conselheira Ana Maria Amarante, o presidente Lewandowski chamou o processo para julgamento.
O conselheiro Gilberto Martins pediu para o processo não ser julgado naquele momento, alegando que “iria fazer alguns ajustes no seu voto”. Supõe-se que, diante do baixo número de conselheiros no plenário, a votação não atingiria o quórum mínimo para a aplicação da pena.
Na sessão de 26 de maio de 2015, Gilberto Martins apresentou voto divergente da relatora, aplicando a pena de aposentadoria compulsória para os dois desembargadores. No meio do julgamento, a conselheira Deborah Ciocci surpreendentemente se retirou do plenário e o presidente suspendeu a sessão. O julgamento foi interrompido com o pedido da relatora para ausentar-se da sessão, alegando que deveria acompanhar cirurgia a que seu pai seria submetido.
Na sessão de 9 de junho, a corregedora Nancy Andrighi acompanhou a divergência de Gilberto Martins e votou pela condenação dos desembargadores. O conselheiro Paulo Teixeira pediu vista.
Na sessão extraordinária de 16 de junho, Paulo Teixeira votou para converter em diligência ou pela absolvição, sendo acompanhado pelos conselheiros Emmanoel Campelo e Fabiano Silveira. Empossado naquela data, o conselheiro Lélio Bentes Corrêa pediu vista.
No dia 23 de junho, Lélio Corrêa votou pela aposentadoria compulsória dos desembargadores e o conselheiro Flavio Sirangelo votou pela absolvição.
Em seguida o presidente Lewandowski pediu vista.
Dos cinco que não são juízes de carreira, que, em tese, deveriam dar o equilíbrio para evitar o corporativismo, três estão absolvendo os dois magistrados: Fabiano Silveira (indicado pelo Senado), Emmanoel Campelo (indicado pela Câmara dos Deputados) e Paulo Teixeira (indicado pela OAB ).
Entre os que integram a carreira de juízes, até agora somente dois estão absolvendo Nery Júnior e Gilberto Jordan.
O caso –pelo menos– pode esvaziar o antigo temor de parte da magistratura que faz restrições a um órgão de controle externo do Judiciário formado por conselheiros que não pertencem aos quadros dos tribunais.