Prende-se muito, mas prende-se mal
Sob o título “Prende-se muito no Brasil. Mas prende-se mal.”, o artigo a seguir é de autoria de Marlon Alberto Weichert, Procurador da República e Pesquisador visitante da New York University.
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O Ministério da Justiça acabou de divulgar um levantamento inédito com o perfil do sistema prisional brasileiro e da população que o habita (trata-se do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias). Essa iniciativa merece aplausos, pois traz luz a um tema cujo debate está repleto de palpites, mas carece de decisões políticas com base em análises técnicas. Infelizmente o relatório está incompleto, pois, apesar de prorrogações de prazo e reiteradas solicitações, o Estado de São Paulo não teria repassado seus dados. Essa ausência pode afetar a qualidade da informação – afinal, São Paulo é o Estado responsável pela custódia de cerca de um terço dos presos no Brasil – mas não infirma as principais conclusões.
O relatório confirma que o país apresenta índices altos de encarceramento, com 607 mil presos em 2014, o que o posiciona como a quarta maior população carcerária do planeta, atrás de Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (670 mil). Quando se considera o número de encarcerados em relação , à população, temos 300 presos para cada cem mil habitantes. De acordo com a organização não -governamental International Centre for Prison Studies, esse dado nos situa na trigésima quarta posição entre 222 países e territórios de países. As taxas mais altas de encarceramento estão na América do Norte (Estados Unidos é o líder mundial, com 716 presos por 100 mil habitantes), América Central e Caribe.
O Brasil é o líder na América do Sul.
Esses dados transmitiriam – a princípio – a percepção de uma justiça criminal eficiente, que pune muito em um país de elevada criminalidade. Ocorre que uma análise mais atenta revela outra realidade. Inicialmente, os dados indicam que 41% dos presos são cautelares. Isso significa que os processos demoram exageradamente para terem uma sentença definitiva ou que há um enfraquecimento da presunção do estado de inocência. Ou ambos. Também se nota que as prisões são seletivas: 67% dos presos são negros, proporção bem superior àquela da predominância na população, de 51%. E 56% são jovens entre 18 e 29 anos, enquanto essa faixa etária corresponde a apenas 21,5% do conjunto populacional. Assim, a justiça prende sobretudo jovens e negros, quase sempre pobres (68% não tem o ensino fundamental completo e 15% nem frequentou a escola), e reproduz a desigualdade social e racial do país.
Finalmente, o país encarcera principalmente os envolvidos com tráfico de drogas (27%) e crimes contra o patrimônio (35%), mas não tanto os autores de homicídios e latrocínios, que é a morte durante um roubo (17%). Em realidade, há enorme impunidade em relação aos homicídios, pois apenas de 5 a 8% do total de casos são investigados com sucesso e dão origem a uma ação criminal, segundo divulgado pela Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública.
Percebe-se que tem havido um aumento acelerado no volume de encarcerados. Desde 2008, a população carcerária aumentou 33%. E, desde 1990, espantosos 575%. Todavia, essas taxas não trouxeram efeitos positivos nos índices de criminalidade, principalmente nos assassinatos. Com efeito, os homicídios cresceram 259% entre 1980 e 2010. Passou-se de 11,7 homicídios para cada 100 mil habitantes em 1980 para 26,2 em 2010. Um aumento real de 124% no período ou de 2,7% ao ano. Em 2013, foram 53.646 pessoas vítimas de morte violenta.
E por que prender mais não está ajudando a reduzir o crime? São muitas razões, mas o erro principal está na política criminal, que continua enfatizando a fracassada guerra contra as drogas (27% dos presos decorrem diretamente dela; quase sempre pequenos traficantes) e o combate aos crimes contra o patrimônio, sem dar importância aos homicídios e demais crimes de extrema gravidade. O enfrentamento dos crimes com mortes violentas deveria ser a absoluta prioridade e a principal causa de encarceramento. Estamos longe disso.
Em suma, prende-se muito, mas prende-se mal.