Juízes conservadores lançam blog
Um grupo de magistrados paulistas lançou um blog com o propósito de oferecer “uma visão conservadora de temas relacionados ao Direito”. O site está na internet desde março e é mantido pelo “Movimento Magistrados para a Justiça” (*), que se apresenta com os seguintes objetivos:
1) Discutir a atual situação do Poder Judiciário nacional ante a gravíssima crise de valores que atinge toda a nossa sociedade, no intuito de buscar meios de preservar a Magistratura brasileira de perder a independência funcional de que gozam seus juízes;
2) Fazer frente a esta crise e criar meios de comunicação para expressar os anseios desta ampla camada da Magistratura;
3) Mostrar uma visão conservadora do Direito e de temas, ainda que indiretamente, a ele relacionados.
A criação do blog que se autodenomina conservador deve ser interpretada como o exercício do direito de livre manifestação do pensamento numa sociedade democrática.
O site tem publicado textos do desembargador do TJ-SP Ricardo Henry Marques Dip e dos juízes de direito Alexandre Semedo de Oliveira e Marcelo Assiz Ricci. Os dois primeiros publicaram artigos em outro site que chegou a abrigar críticas à ONU por ter notificado o Vaticano a informar sobre casos de pedofilia na Igreja.
Ricardo Dip, desembargador do TJ-SP, é um dos assessores convocados pela corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi. No CNJ, ele é coordenador das serventias extrajudiciais.
Dip é bacharel em Direito e Jornalismo. No ano passado, ao assumir uma cadeira na Academia Cristã de Letras, foi saudado pelo colega acadêmico José Renato Nalini, presidente do TJ-SP. Os membros da ACL se dedicam a estudar obras literárias voltadas para a fé e doutrina cristã.
Marcelo Assiz Ricci é Juiz de Direito Titular da 1ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Regional I de Santana. Alexandre Semedo de Oliveira é 1º Juiz de Direito Auxiliar da Comarca de Franca.
Ricci reproduz no site do “Movimento Magistrados para a Justiça” artigos de Dip sobre “O direito público pós-moderno e a saudade de Deus”.
Entre os assuntos do momento, o blog aborda a questão da maioridade penal [“todos, mesmo os mais liberais, sabem que aos dezesseis anos o brasileiro médio já conhece a ilicitude das coisas e já tem condições de se comportar de acordo com este entendimento“], as audiências de custódia [“um ato normativo emanado pelo Poder Judiciário restringe-se a regulamentar a atuação de seus membros, não vincula os agentes de outros órgãos aos quais não detém ascendência ou poder correcional“] e o sistema de cotas no Judiciário [“o sistema de cotas introjeta na sociedade brasileira a visão e que os homens não devem ser julgados apenas por seu caráter, mas principalmente, por sua cor” (…) “a política de cotas é racista”].
Em post sob o título “As Excelências da Toga“, Semedo procura alinhar os motivos que têm levado, no seu entender, à “perda de respeitabilidade do Poder Judiciário”.
Segundo o autor, “o abandono do uso da toga em Primeira Instância (na qual se lida diretamente com os jurisdicionados) é um dos principais fatores (senão o principal) pela perda dessa respeitabilidade. O respeito suscitado pela figura do juiz togado era comparável com aquele suscitado pela presença dos padres de antigamente. E, a bem da verdade, grosso modo, a toga para o magistrado sempre foi como a batina para o padre”.
Em post sob o título “O verdadeiro Exército ‘do contra‘”, Semedo sustenta que “nós conservadores, não podemos mais aceitar que nossos adversários continuem moldando o debate. Não podemos permitir, caso queiramos realmente fazer retroceder a catástrofe civilizacional em que eles nos meteram, que a linguagem por eles adotada prossiga como sendo o paradigma“.
Um ano atrás, houve uma polêmica na lista de discussões da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) porque a entidade havia adquirido ingressos com descontos para magistrados assistirem ao espetáculo “Jesus Cristo SuperStar”. A iniciativa foi criticada por juízes conservadores.
Reservadamente, alguns magistrados manifestaram a preocupação com a hipótese de que preferências religiosas viessem a interferir na atuação do TJ-SP. No início de sua gestão, Nalini autorizou a distribuição de Bíblias em todas as unidades do tribunal. Alguns juízes criticaram a decisão.
Como Dip presidia então a banca do concurso de ingresso na magistratura, temia-se que a questão religiosa pudesse comprometer a avaliação de candidatos nas provas orais. Consultados na ocasião, Nalini e Dip não se manifestaram.
Alguns leitores viram no “Movimento Magistrados para a Justiça” uma oposição à Associação Juízes para a Democracia (AJD), mas não parece ser esse o foco principal do MMJ.
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(*) https://veritasquae.wordpress.com