Sobre a reclamação de Eduardo Cunha

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Reclamação constitucional e Operação Lava Jato“, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e Procurador Regional da República aposentado.

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A defesa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apresentou nesta segunda, dia 20 de julho do corrente, uma reclamação ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra atos praticados pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela investigação do esquema de corrupção da Petrobras.

Na ação, a defesa pede uma liminar (decisão provisória) para que o processo que corre na Justiça Federal do Paraná sobre suposta corrupção na contratação de navio sonda pela Petrobras seja suspenso na Justiça no Paraná e enviado ao STF. Cunha já é alvo de investigação no Supremo por conta do escândalo de corrupção, mas o peemedebista nega qualquer ligação.

Os advogados requerem ainda que, no mérito do caso, o STF determine a anulação de eventuais provas produzidas contra o peemedebista sob a condução de Moro.

Em duas situações se pode falar em reclamação: nas hipóteses de preservação de competência e ainda na garantia da autoridade das decisões. Na primeira, se ocorrer um ato que se ponha contra a competência do STF, quer para conhecer e julgar, originalmente, as causas mencionadas no item I, do artigo 102 da Constituição Federal, quer para o recurso ordinário no habeas corpus, o mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, quer para o recurso extraordinário quando a decisão em única ou última instância, contrariar dispositivo constitucional, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar válida lei ou ato de governo local contestado perante a Constituição Federal, é cabível a reclamação. A segunda hipótese para ajuizamento de reclamação abrange a garantia da autoridade das decisões.

Na correta lição de José da Silva Pacheco (O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas, ,2ª edição, pág. 435) há de se preservar a autoridade da decisão, quer seja proferida em instância originária, quer em recurso ordinário ou em recurso extraordinário pelo STF; ou em instância originária, em recurso ordinário ou em recurso especial, pelo STJ.

Não obstante os pressupostos assinalados por Amaral Santos (RTJ 56/539), reconhecidos por Alfredo Buzaid (RT 572/399), de que para haver reclamação são necessários: “a) a existência de uma relação processual em curso; b) e um ato que se ponha contra a competência do STF ou contrarie decisão deste proferida nessa relação processual ou em relação processual que daquela seja dependente”, o certo é que não há falar em reclamação sem a iniciativa ou provocação de um interessado ou da procuradoria-geral da República.

Ora, para que esses entes possam fazê-lo, é mister que propugnem pela elisão de qualquer usurpação atentatória da competência de um desses dois tribunais ou pelo reconhecimento da autoridade de decisão já proferida por um deles.

Correta a ilação de que no que concerne ao asseguramento da integridade de decisão do tribunal supremo, não importa perguntar da sua natureza. Tal compreende tanto a decisão da matéria civil como a criminal. Assim será o caso de reclamação contra decisão exorbitante da instância ordinária, ao rever julgamento do STF, como já entendeu-se na Recl. 200 – SP, em 20 de agosto de 1986, em que foi Relator o Ministro Rafael Mayer.

A reclamação não é um mero incidente processual. Não é recurso não só porque a ela são indiferentes os pressupostos recursais da sucumbência e da reversibilidade, ou os prazos, mas, sobretudo, como advertiu José da Silva Pacheco (obra citada, pág. 444), porque não precisa que haja sentença ou decisões nem que se pugne pela reforma ou modificação daquelas, ´bastando que haja interesse em que se corrija um eventual desvio de competência ou se elida qualquer estorvo à plena eficácia dos julgados do STF ou do STJ’.

É, na realidade, a reclamação, uma ação, um writ constitucional, fundada no direito de que a resolução seja pronunciada por autoridade judicial competente, de que a decisão já prestada por quem tinha competência para fazê-lo, tenha plena eficácia, sem óbices ou se elidam os estorvos que se antepõem, se põem ou se pospõem à plena eficácia das decisões ou à competência para decidir, como ainda alertou José da Silva Pacheco (obra citada, pág. 444).

No caso em tela, o pedido apresentado pelo reclamante no writ constitucional sequer deve ser conhecido. Isso porque ele não é investigado perante a primeira instância.

A duas, o ato não reviu decisão do Supremo Tribunal Federal, que, na investigação, fixou competência para acompanhamento da investigação envolvendo detentores de privilégio de foro, a teor do artigo 102 da Constituição.

A três, mister que se lembre que busca o processo penal a verdade real, a lógica das provas, razão pela qual o juiz não pode “calar réu, testemunha, quem deponha no processo”.

O princípio da verdade real estabelece que o ius puniendi somente seja exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos exatos limites de sua culpa numa investigação que não encontra limites na forma ou na iniciativa das partes. Com ele se exclui os limites artificiais da verdade formal. Como bem disse Júlio Fabbrini Mirabete (Processo Penal, São Paulo, Atlas, 1992, pág. 45), decorre desse princípio o dever do juiz de dar seguimento à relação processual quando da inércia da parte e mesmo de determinar, de ofício, provas necessárias à instrução do processo, a fim de que possa, tanto quanto é possível, descobrir a verdade dos fatos que são examinados na ação penal.

Se o juiz de primeira instância induziu ou não um acusado a citar o nome do reclamante em fatos da operação é matéria que deve ser objeto de avaliação em outro incidente próprio, por legitimado para tanto, um incidente de suspeição, perante o juízo do Tribunal Regional Federal da 4º Região, pela parte que se disser prejudicada. Ademais, o writ, diante da matéria trazida, exige que não haja dilação probatória, tal como no mandado de segurança e no habeas corpus, razão pela qual o remédio não deve ser conhecido.

Não se pode deter o avanço de uma investigação que se faz nos limites da legalidade.

Ademais a cópia do depoimento apontado e colhido na primeira instância poderão ser objeto de encaminhamento ao juízo natural para as providências cabíveis.

Não há, pois, ato que se ponha contra a competência do Supremo Tribunal Federal, que é competente para instruir e julgar parlamentares federais, em infração penal comum, que poderiam ter sido cometidas, a teor do artigo 102, I, “b”, Constituição Federal.

Diverso é o instituto da correição parcial.

Ora, a correição parcial é remédio que, teoricamente sem interferir com os atos decisórios, beneficia os litigantes que se aleguem vítimas de erros ou de abusos que invertam ou tumultuem a ordem dos atos processuais.

Saliente-se que a correição parcial constitui expediente de caráter administrativo, destinado a corrigir ato judicial que, por error in procedendo, venha causar inversão tumultuaria do processo. É, enfim, instrumento jurídico-correcional, que não se confunde com os recursos ordinários previstos, genuinamente, na legislação federal.

Há um entendimento jurisprudencial no sentido de que a correição parcial, no Estado de São Paulo, somente é cabível no processo penal, não sendo cabível no processo civil. Dessa corrente, destaca-se o seguinte julgado:

CORREIÇÃO PARCIAL – Não subsistiu à vigência do Código de Processo Civil de 1973 – O ato judicial é passível de reforma através do agravo de instrumento ou apelação – O Regimento Interno desta E. Corte prevê a interposição de correição parcial apenas nos processos penais. Recurso não conhecido. (CORREIÇÃO PARCIAL n° 990.10.405998-4)

A teor do artigo 263 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4º Região, a correição parcial visa à emenda de erros ou abusos que importem a inversão tumultuária de atos e fórmulas legais, a paralisação injustificada dos feitos ou a dilação abusiva dos prazos por parte dos juízes de primeiro grau, quando, para o caso não haja recurso previsto em lei.

Esse pedido de correição parcial poderá ser formulado perante o Tribunal da 4º Região, diante dos atos emanados por juízes a ele subordinados, ou pelo protocolo integrado, sem prejuízo do andamento do feito(artigo 263, parágrafo primeiro, do Regimento Interno do TRF4).

Mas, de toda sorte, diante dos fatos narrados, não haveria que falar numa inversão tumultuária.