Toyota tenta sustar indenização milionária fixada pelo TJ do Piauí
Em acidente sem vítimas, presidente da OAB alegou danos morais por “experiência de quase morte”.
A Toyota do Brasil pediu ao Superior Tribunal de Justiça, em caráter de urgência, a suspensão de decisão do Tribunal de Justiça do Piauí que obriga a empresa a pagar uma indenização de R$ 7,7 milhões ao empresário Paulo Guilherme Lopes Brito e a sua mulher, Simone Paz Magalhães, por acidente com um veículo Hilux SW4.
O caso envolve magistrados afastados pelo Conselho Nacional de Justiça, controvertida distribuição do processo e decisões revistas pelo mesmo tribunal que anteriormente julgara a ação improcedente.
A Toyota alega que a decisão judicial que estabeleceu a exorbitante indenização é “manifestamente teratológica” e uma tentativa de utilização do processo como instrumento de enriquecimento ilícito.
No dia 26 de fevereiro de 2000, a Hilux era dirigida numa estrada pelo empresário, conduzindo um funcionário. Uma das rodas dianteiras se soltou e o veículo capotou.
Segundo a Toyota, o acidente não provocou “um único arranhão sequer” nos dois ocupantes do veículo.
A mulher do empresário não estava no veículo. Mas o casal alegou “angústia provocada diante da possibilidade da morte” (…) “atingindo todo o núcleo familiar”.
Uma ação de indenização por danos morais e lucros cessantes foi movida no ano seguinte pelo casal, representado pelo advogado Marcus Vinicius Coêlho, atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
O acidente foi atribuído pelo casal a defeito de fabricação do veículo. Um laudo pericial encomendado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul afirma inexistir vício de fabricação.
A indenização foi pedida sob alegação de “trauma psicológico” e “experiência de quase morte“. Além do ressarcimento do valor do carro, os autores alegaram lucros cessantes, pois a falta do veículo teria prejudicado a atividade econômica do casal.
O veículo estava com revisão vencida. Apesar do alegado trauma, os demandantes adquiriram outro veículo do mesmo modelo.
Ainda segundo a Toyota, os autores da ação não eram proprietários da Hilux. Documento juntado aos autos aponta como proprietário do veículo o ex-deputado José de Arimatéia Magalhães, sogro do empresário. Este, por sua vez, alegou em juízo que o carro era usado por sua empresa
Em 2003, o juiz Francisco de Assis Brito Braz e Silva condenou a Toyota a pagar ao casal R$ 200 mil por danos morais, R$ 700 mil a título de lucros cessantes e R$ 100 mil a título de valor idêntico ao do veículo acidentado.
Em valores atualizados, a indenização chegaria hoje a R$ 7,7 milhões.
O voto condutor do acórdão questionado pela Toyota foi proferido pelo desembargador do TJ-PI Antonio Peres Parente, atualmente aposentado.
Em 2010, Parente foi afastado de suas funções, por unanimidade, pelo Conselho Nacional de Justiça, que julgou reclamação oferecida pela Toyota. O plenário acompanhou a recomendação do então corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp.
Parente também foi alvo de reclamação no CNJ oferecida pela BASF. Nesse caso, o demandante –um distribuidor de tintas Suvinil– também era representado por Marcus Vinicius Coêlho.
O juiz José Ramos Dias Filho, que também atuou no caso BASF, foi igualmente afastado pelo CNJ naquela ocasião. Voltou ao exercício da magistratura, em abril de 2011, após obter liminar em mandado de segurança impetrado no Supremo Tribunal Federal e ainda não julgado.
No último dia 17 de julho, Marcus Vinicius Coêlho pediu ao TJ-PI a execução da causa contra a Toyota. Dois juízes se declararam impedidos de julgar o processo, que foi distribuído para o juiz José Ramos Dias Filho.
Quatro dias depois, a Toyota entrou com ação rescisória no STJ, pedindo liminar para suspender a execução. O presidente do STJ, ministro Francisco Falcão, não se manifestou e o caso foi distribuído para o ministro Raul Araújo.
No último dia 23 de julho, os advogados Pedro Andrade Trigo e Ricardo Santos de Almeida, representando a Toyota, reiteraram o pedido de antecipação de tutela ao STJ, juntando documentos referentes ao juiz José Ramos Dias Filho, que deverá apreciar o pedido de bloqueio on line de recursos da empresa.
A Toyota argumenta que, além de responder a mais de uma dezena de reclamações disciplinares junto á Corregedoria do TJ-PI, o magistrado foi acusado de favorecimento de parte, em reclamação disciplinar formulada pela BASF S/A.
Segundo notícias divulgadas na imprensa –e juntadas no pedido ao STJ– uma dívida de R$ 80 mil resultou numa condenação por danos morais e materiais de R$ 9 milhões. A Basf teria de pagar esse valor por ter indevidamente protestado o pagamento de títulos de um revendedor.
Consultado pelo Blog, o advogado Marcus Vinícius Coêlho informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “o escritório atua dentro de seu exercício regular“. Segundo ele, “o caso corre há mais de uma década” e “o STJ, quando, por unanimidade, garantiu a vitória judicial, chegou até mesmo a condenar a parte contrária por litigância de má-fé”.
Coêlho afirma que, “independentemente do valor fixado, os consumidores precisam de proteção judicial“.
“Em qualquer lugar do mundo, quando uma empresa coloca a vida de um consumidor em risco, há condenações pedagógicas. No Brasil, sempre que um consumidor é vitorioso, o caso ganha ares midiáticos e se tenta criminalizar a decisão. Hoje, somos o país dos chamados recalls, não podemos mais suportar tal situação. Que esse caso sirva de exemplo para que a Justiça condene de forma dura qualquer empresa que venha a colocar a vida de brasileiros em risco“, afirmou Coêlho.
A assessoria de Coêlho encaminhou ao Blog os seguintes documentos:
a) Certidão emitida em 30 de janeiro de 2013 pelo então conselheiro do CNJ José Lúcio Munhoz, a pedido do atual presidente da OAB. O conselheiro certificou que, “em atendimento a requerimento devidamente cadastrado nos autos do Processo Administrativo Disciplinar nº 0005925-55.2010.2.00.0000 [1], relacionado a então Desembargador do Estado do Piauí, não restou verificado no curso de todo o PAD qualquer denúncia, reclamação, acusação ou sequer referência ao ilustre Advogado Dr. Marcus Vinicius Furtado Coelho”.
b) Certidão emitida pelo CNJ em 5 de março último, também a pedido de Coêlho, declarando que inexiste processo em que o presidente da OAB figure no pólo passivo.
c) Declaração emitida em 27 de março último pelo advogado Josino Ribeiro Neto, que representa a BASF S/A e a General Motors em procesos nos quais Marcus Vinicius Furtado Coêlho patrocinava as partes adversas. O advogado atesta que o presidente da OAB “durante sua atuação profissional sempre agiu com ética e lealdade processual nos termos do Estatuto e Código de Ética da OAB“.