“Ganharão, mas não levarão”
Sob o título “O Judiciário pela lei“, o artigo a seguir é de autoria de Hugo Otávio Tavares Vilela, juiz federal da 1ª Região.
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O “Diário Oficial da União” publicou, em 22 de julho, o veto integral da presidente Dilma Rousseff ao projeto de lei n. 28 de 2015, que concedia aumento aos servidores do Judiciário. Já no dia 10 de agosto, em visita à Assembleia Legislativa e ao Tribunal de Justiça de Goiás, em Goiânia, o presidente do Supremo Tribunal Federal teve breve encontro com sindicalistas que repudiavam a negativa do governo. Referindo-se à possibilidade de o Congresso derrubar o veto da presidente, o ministro Ricardo Lewandowsky foi explícito ao dizer que, mesmo que o Congresso derrube o veto, os servidores “ganharão, mas não levarão”. Em outras palavras, se o Congresso aprovar o texto vetado, ele não será cumprido.
O veto a projetos de lei aprovados pelo Legislativo constitui prerrogativa do Executivo, conforme a Constituição Brasileira (art. 66). O mesmo artigo, em seus parágrafos quarto a sétimo, deixa claro que o Legislativo pode derrubar o veto do Executivo. Assim, a Constituição estabeleceu que a palavra final é do parlamento. Ainda que vetado, o projeto se torna lei se o Congresso o quiser, aprovando-o por maioria absoluta em reunião conjunta da Câmara e do Senado.
Desse modo, tanto o veto quanto sua derrubada estão previstos na Constituição, e fazem parte da dinâmica normal entre Executivo e Legislativo. Anormal, contudo, é que o presidente do Supremo Tribunal Federal, representante máximo do Judiciário, declare que uma lei ainda que aprovada nos termos da Constituição, não será cumprida.
A ocasião em que o Sr. ministro proferiu essas palavras foi uma apressada conversa de corredor. É possível que sua declaração não passe de uma daquelas falas descuidadas a que todos estamos sujeitos nessas situações. Mas não deixa de ser preocupante, num momento em que a população assiste assombrada ao esfacelamento político e econômico do país, que o representante máximo do Poder Judiciário –o único que ainda traz algum alento à população-– afirme que uma lei aprovada de maneira legítima possa simplesmente ser descumprida.
Todo magistrado, quando toma posse, promete solenemente e de público, julgar conforme a Constituição e as leis do país. É bastante comum, quase cotidiano, que juízes tomem decisões com base em leis com que não concordam em seu íntimo. Há mesmo casos em que associações de juízes propõem ao Legislativo mudanças de certas normas que consideram injustas, inadequadas ou anacrônicas. Todavia, discordar daquilo que foi legitimamente estabelecido em lei não permite a qualquer magistrado, de qualquer nível hierárquico, escolher entre cumprir ou não a lei.
Lamentável, portanto –além de preocupante– o ocorrido em Goiânia. Num momento em que a população busca algum referencial seguro em meio ao turbilhão de notícias que falam do rápido enfraquecimento de nossas instituições, ouvir do representante máximo do Judiciário que determinada lei, mesmo que legitimamente aprovada, não será cumprida, deve ter soado desalentador.
Por mais que respeitem seu representante máximo, os magistrados não estão vinculados ao que ele diz em visitas, eventos públicos e demais ocasiões do gênero. Neste caso específico, ao contrário do que disse o Sr. ministro, os magistrados do país certamente não quebrarão a promessa que fizeram solenemente quando receberam suas togas. Cumprirão a Constituição e as leis do país. De sua obediência a esse juramento depende a continuidade do Estado de Direito no país, que consta do art. 1º da Constituição Federal. Sem Estado de Direito, o Brasil entrará em rota de colisão com o preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), tornando-se um pária na comunidade internacional.
Seus juízes, unindo força e coragem, não permitirão que isso aconteça.