STF contra os recursos abusivos
Decisões de Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Dias Toffoli sugerem freio na “indústria dos agravos e embargos”.
A ministra Cármen Lúcia aposta na disposição do Supremo Tribunal Federal de inibir os recursos protelatórios, expedientes cuja finalidade não é o direito de defesa, mas a criação de embaraços para obter a prescrição dos crimes.
Em entrevista à Folha, neste domingo (16), Cármen Lúcia afirmou: “Vejo a tendência de que a presteza dê à sociedade a certeza de que quem estiver correto, será absolvido em prazo curto, e o condenado, idem. Por outro lado, o processo tem sua fase de amadurecimento que não é bem percebida pelo cidadão. ‘Já votou uma vez, por que votar de novo?’ Tenho de garantir o direito à defesa, mas com celeridade”.
Em longo artigo sob o título “História sem fim“, o procurador da República Vladimir Aras registrou recentemente em seu blog duas iniciativas da ministra –uma frustrada, outra bem-sucedida– no sentido de conter os recursos que se multiplicam para postergar e frustrar a decisão da Justiça.(*)
A primeira tentativa ocorreu em 2009, quando Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Menezes Direito ficaram vencidos no julgamento do Habeas Corpus 84.078/MG.
“Nesse leading case, o STF deu uma derrapada: vedou a execução de decisão penal condenatória na pendência de recursos especial ou extraordinário e, com isso, fomentou a notória indústria dos agravos e dos embargos de declaração encadeados, enfileirados e sem fim. São os elos de uma corrente usada para amarrar a Justiça, frustrar as vítimas, desesperançar a sociedade e manietar o Ministério Público“, afirma Aras.
Naquele julgamento, formaram a maioria os ministros Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Eros Grau, Marco Aurélio e Celso de Mello.
“Depois de iludir-se pelo canto mavioso das sereias do Direito no HC 84.078/MG, aos poucos a Corte vem recobrando o tino e reconhecendo o erro que cometeu em 2009“, comenta o procurador.
Vladimir Aras aplaude o “admirável mea culpa” de Gilmar Mendes, reconhecido em entrevista que o ministro concedeu ao “Conjur“, em julho último. Questionado se examinava a hipótese de antecipação da pena após a manutenção da condenação na segunda instância, Mendes respondeu:
“Sim, nós tínhamos uma jurisprudência sólida, consolidada, que permitia a execução da pena já com a decisão de segundo grau. Depois, a partir de um impulso, uma proposta trazida pelo ministro Cezar Peluso, revertemos essa orientação, entendendo que era preciso trânsito em julgado. E parece que a ortodoxia deveria rezar nesse sentido. Mas, se examinarmos os casos concretos, em geral, vamos ver que cada vez mais se afigura difícil chegar ao trânsito em julgado, e até que essa jurisprudência estimulou bastante os expedientes para dificultar o trânsito em julgado, com reiterados embargos de declaração, por exemplo, com reiterados recursos de nítido caráter protelatório, quando já se sabe que não vai mudar a jurisprudência, a decisão que já foi fixada“.
A segunda iniciativa da ministra Cármen Lúcia ocorreu em 2013 e foi assim comentada por Aras:
“Uma das primeiras reações da Corte Suprema a essa prática latitante e morosa –-que busca a prescrição por meio do abuso recursal-– veio com a decisão da ministra Cármen Lúcia na Ação Penal 396/RO, que, em junho de 2013, determinou a antecipação do trânsito em julgado da condenação do ex-deputado Natan Donadon, mesmo na pendência de embargos de declaração, tidos como protelatórios. O direito de recorrer é sagrado; o abuso desse direito não.”
Merecem registro duas outras decisões do Supremo –pois vão na mesma direção no sentido de fechar a porteira para expedientes procrastinatórios.
Em janeiro de 2013, a Segunda Turma do STF rejeitou, por unanimidade, embargos de declaração em habeas corpus impetrado pelo ex-desembargador Paulo Theotonio Costa –afastado do TRF-3, condenado por corrupção passiva–, e “determinou a imediata remessa dos autos à origem, nos termos do voto do relator”. Ou seja, o Supremo mandou baixar os autos ao Superior Tribunal de Justiça, antes mesmo da publicação do acórdão.
Na época, essa decisão do relator, ministro Gilmar Mendes, surpreendeu o Ministério Público Federal, que criticava os recursos da defesa para evitar a prisão do magistrado.
Em 5 de novembro de 2014, por unanimidade, o plenário do Supremo manteve a decisão monocrática do ministro Dias Toffoli que decretara o trânsito em julgado numa das ações contra Luiz Estevão, determinando a prisão do ex-senador.
Ao rejeitar duas questões de ordem levantadas pela defesa, vários ministros elogiaram a decisão do relator, reconhecendo o caráter procrastinatório desses recursos, que tinham o objetivo de alcançar a prescrição e evitar o cumprimento da pena.