Uma pauta conservadora e autoritária

Frederico Vasconcelos

Sob o título “PL que aumenta internação de jovens é mais um ataque aos direitos humanos“, o artigo a seguir é de autoria do Juiz de Direito André Augusto Bezerra, presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

***

O ano de 2015 não deixará boas lembranças para quem luta pela promessa constitucional de construção de sociedade livre, justa e solidária. O fortalecimento de bancada parlamentar conservadora tem produzido uma robusta pauta legislativa de exclusão de direitos e de ampliação do aparelho estatal repressor.

O Projeto de Lei 333 de 2015 (PL 333) é um exemplo. Prevê-se a criação de regime especial de internação de jovens envolvidos na prática de atos infracionais, a possibilitar a internação em até dez anos, ampliando o prazo máximo de três anos ora constante no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A justificativa apontada para o projeto não difere da apresentada para a proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal (PEC 171). Fala-se em suposto pânico social decorrente da impunidade de adolescentes que praticam infrações: a falsa premissa de sempre.

Os defensores do projeto esquecem, ou fingem esquecer, que o adolescente brasileiro é, em regra, vítima de delitos (o Brasil só perde para a Nigéria em número de jovens assassinados); que apenas 1% dos crimes são praticados por jovens e que, em um país como o Brasil, que ostenta a quarta maior população carcerária do mundo, a repressão não tem resultado na redução da violência.

Os mesmos defensores ainda desconsideram o histórico descumprimento do ECA no país, naturalizando-se até mesmo o trabalho de crianças que vendem balas em semáforos. E, além de desconsiderar, clamam pelo maior descumprimento da lei, ignorando o princípio da brevidade e da finalidade educativa que o diploma legal impõe à internação.

A par dessas circunstâncias, ultimamente tem chamado atenção uma crescente defesa pragmática para aprovação do PL 333. Muitos têm afirmado que a ampliação da internação evitaria o mal maior da aprovação da redução da maioridade penal; uma moeda de troca, em resumo.

Ora, a PEC 171 somente sobrevive em razão de uma manobra regimental antijurídica que pode ser derrubada em mandado de segurança que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). O relator do caso não deferiu liminar para obstar o andamento da PEC porque entendeu inexistir urgência para a medida – e não porque a manobra regimental tenha se dado conforme o Direito.

Para além do campo formal, a PEC 171 é materialmente inconstitucional por violar cláusula pétrea. Quer-se acreditar que o STF, que já declarou a anterioridade tributária princípio imodificável por emenda constitucional, aplique a mesma conclusão para a maioridade aos 18 anos; a não ser que a corte enxergue o patrimônio do contribuinte prevalentemente de classe média mais relevante do que a liberdade de locomoção dos jovens negros e pobres, isto é, os que formam a grande massa dos internados no Brasil.

Recorda-se ainda que a PEC 171 sequer foi submetida ao Senado, onde há razoável chance de não atingir o quórum mínimo para aprovação. Sabe-se que a composição de tal casa legislativa não é tão conservadora como na Câmara dos Deputados.

Por fim, é de se considerar que a internação para o longo período de dez anos configura verdadeira redução da maioridade penal disfarçada. E o que é mais grave: adotada pela legislação ordinária, o que, por si só, coloca em dúvida a constitucionalidade do projeto.

A defesa pragmática do PL 333 não é razoável, portanto. Ao que parece, tal projeto tem sido utilizado, na verdade, como pretexto para certos parlamentares que, pela sua trajetória democrática ou porque preferem omitir-se em polêmicas, ficam constrangidos em aprovar a PEC 171; mas, concomitantemente, temem perder apoio do eleitorado que, insuflado pelo jornalismo sensacionalista, clama pelo endurecimento penal.

Em momento de fortalecimento de uma pauta autoritária, adverte-se que a luta pela liberdade dos menos favorecidos requer audácia. A defesa dos Direitos Humanos não é tarefa para covardes.