STJ julga na próxima terça habeas corpus de Demóstenes Torres

Frederico Vasconcelos

– Ex-parlamentar acusado de corrupção obteve liminar suspendendo processo que envolve Carlinhos Cachoeira.

– O mesmo relator anulou as provas da “Operação Boi Barrica”, que investigou filho do ex-presidente Sarney.

Demóstenes Torres Habeas Corpus
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça deverá julgar na próxima terça-feira (25) habeas corpus impetrado pelo ex-senador Demóstenes Torres, que obteve liminar em novembro, suspendendo provisoriamente processo que tramita no Tribunal de Justiça de Goiás. A liminar foi concedida pelo ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ. (*)

O TJ-GO recebeu denúncia contra o ex-senador, acusado de peculato, corrupção e formação de quadrilha a partir das investigações nas operações Vegas e Monte Carlo, envolvendo o contraventor Carlos Augusto Ramos. Acusado de comandar o jogo ilegal em Goiás, “Carlinhos Cachoeira” mantinha relações de amizade com parlamentares.

Após a cassação do mandato de Senador da República, em julho de 2012, o processo contra Demóstenes passou a tramitar no TJ de Goiás.

Os advogados pedem a anulação do processo sob alegação de que as provas são ilegais. A defesa de Demóstenes sustenta que seu cliente foi investigado irregularmente pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, com a suposta conivência da Justiça Federal, durante as operações Vegas e Monte Carlo.

A defesa de Demóstenes requer: a) que seja reconhecida a ilicitude das interceptações telefônicas realizadas no bojo das Operações Vegas⁄Monte Carlo, por ofensa ao princípio do Juiz natural; b) que se determine o desentranhamento de todo e qualquer elemento de prova colhido no bojo da referida interceptação, bem como dos elementos de convicção dela derivados; c) que se determine o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa, uma vez que toda a denúncia está lastreada nos diálogos telefônicos colhidos ilegalmente; e d) que sejam revogadas todas as decisões proferidas no curso da ação penal em questão, inclusive aquela que determinou o afastamento cautelar do paciente de suas funções.

Alegam que, como o ex-parlamentar tinha foro privilegiado, qualquer indício de crime cometido por Demóstenes à época teria de ser enviado à Procuradoria-geral da República ou ao Supremo Tribunal Federal.

Segundo o advogado de Demóstenes, Antônio Carlos de Almeida Castro, a PF e o MP não remeteram o material à Suprema Corte quando deveriam e continuaram tendo acesso aos diálogos telefônicos do ex-senador com Carlinhos Cachoeira.

***

O ministro Sebastião Reis Júnior deferiu a liminar com base nas seguintes considerações:

A plausibilidade jurídica do direito alegado pelos impetrantes está evidenciada nos documentos acostados aos autos, relatados na petição inicial, os quais indicam o suposto envolvimento de parlamentares federais, dentre eles o ora paciente, detentores de foro por prerrogativa de função, nos delitos investigados nas operações Vegas e Monte Carlo.

(…)

Apesar de não ser possível concluir, em sede de cognição sumária, que os apontados indícios seriam, de fato, capazes gerar o deslocamento do inquérito para o âmbito de competência do Supremo Tribunal Federal, notadamente porque exigiria a mensuração do grau de envolvimento do paciente nos fatos investigados, isto é, se a aparição de seu nome nas escutas telefônicas revelaria a condição real de investigado, é de rigor, por cautela, o deferimento da liminar.

A denúncia foi recebida pela Corte Especial do TJ de Goiás com base, entre outras, nas seguintes considerações:

– Não há impedimento ao Órgão Ministerial de proceder à investigação e coleta de provas para a formação da opinio delicti , sobretudo por se cuidar o inquérito de peça meramente informativa. Máxime quando um dos indiciados tem foro privilegiado por prerrogativa de função (Procurador de Justiça).

– A descoberta de fatos novos advindos do monitoramento telefônico judicialmente autorizado pode resultar na identificação de pessoas não relacionadas no pedido da medida cautelar de quebra de sigilo de dados. Tal circunstância não invalida a utilização das provas colhidas contra esses terceiros (Fenômeno da Serendipidade) em sede de inquérito policial, cuja matéria será examinada exaustivamente após o devido processo.

– Não se invalida interceptações telefônicas, cujas decisões estão motivadas na necessidade de quebra do sigilo, ainda que de forma sucinta, e fulcrada na Lei 9.296⁄1996, sobretudo quando imprescindível para a investigação criminal. Não há limitação legal quanto ao número de prorrogações de interceptação telefônica. Deve ater-se aos princípios da necessidade e razoabilidade.

– O fato de que parte das interceptações telefônicas foi deferida por Juízo Federal não impede que a apuração do crime ventilado na denúncia ocorra no âmbito Estadual, sobretudo quando figura, dentre os denunciados, pessoa com foro privilegiado com prerrogativa de função (Procurador de Justiça).

– Não há impeço na deflagração da persecução penal por meio de denúncia anônima, desde que seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados em busca de indícios que a corroborem.

***

O relator do habeas corpus impetrado por Demóstenes Torres foi o relator do caso conhecido como Operação Boi Barrica, que investigou a acusação de que Fernando Sarney, filho ex-presidente José Sarney, sacou R$ 2 milhões em dinheiro vivo para campanha de Roseana Sarney, sua irmã.

Em 2011, o repórter Felipe Recondo publicou reportagem no jornal “O Estado de S. Paulo“, informando que “o julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que anulou as provas da Operação Boi Barrica tramitou em alta velocidade, driblando a complexidade do caso, sem um pedido de vista e aproveitando a ausência de dois ministros titulares da 6.ª turma. O percurso e o desfecho do julgamento provocam hoje desconforto e desconfiança entre ministros do STJ”.

Segundo o repórter, “o ministro Sebastião Reis Júnior levou seis dias para estudar 7.068 páginas de processo e elaborar um voto de 54 páginas anulando a investigação”.

——————————————–

(*) HABEAS CORPUS Nº 307.152 – GO