PEC dos Cartórios é um retrocesso
Aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, a PEC 471/2005 –que pretende efetivar nos cartórios todos os interinos que exercem a função sem terem sido aprovados em concurso– é um retrocesso. Ofende os princípios da moralidade pública, da impessoalidade e da forma republicana de governo.
Segundo o artigo 236, § 3º da Constituição Federal, “o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”.
A PEC dos Cartórios vem sendo combatida pelo Conselho Nacional de Justiça desde 2009. A proposta está na contramão da regra de ingresso mediante concurso público para funções públicas e colide com os princípios da eficiência e da universalidade de acesso.
Levantamento feito pela Corregedoria Nacional de Justiça indica que 4.576 dos 13.785 cartórios existentes no País ainda são considerados vagos, ou seja, estão ocupados por interinos não concursados.
Em 23 de setembro de 2009, o então corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, encaminhou ao Congresso Nacional nota técnica contra a aprovação da PEC 471. Na época, o ministro afirmou que a aprovação da PEC acarretaria retrocessos e favorecia aqueles que, “em ofensa ao artigo 236 da Constituição Federal, há anos se beneficiam indevidamente de serviço público remunerado pela população brasileira”.
É sabido que somente por atuação do CNJ os estados realizaram concursos para o preenchimento das serventias vagas. Atualmente, todos os estados têm ou encerraram concursos. Aqueles poucos, que estão eventualmente sobrestados, pendem, em regra, de decisões do Supremo Tribunal Federal.
Sob o título “A farra dos cartórios“, o jornalista Bernardo Mello Franco comenta em artigo na Folha, nesta sexta-feira (28), que, “há dez anos, o deputado João Campos (PSDB-GO), dublê de pastor evangélico e delegado de polícia, apresentou uma proposta de emenda para efetivar os tabeliães que não prestaram concurso. Um texto alternativo chegou a ser rejeitado, mas a ideia continuou a vagar pela Câmara à espera de novos patrocinadores. A oportunidade de ressuscitá-la apareceu agora, com apoio de pressões denunciadas na tribuna.”
“Há um lobby muito bem formado pelos donos de cartório, essa excrescência brasileira que existe em poucos lugares do mundo democrático e civilizado”, disse Roberto Freire (PPS-SP).
Eis outras manifestações na Câmara:
“O que se quer aprovar aqui é que, durante um determinado tempo, qualquer um possa ocupar cartórios vagos alegando que nem os concursados vão. Isso é reproduzir a velha tradição do cartório que passa de pai para filho, como as capitanias hereditárias”, afirmou o deputado Chico Alencar, líder do Psol.
O deputado Ivan Valente (Psol-SP) ressaltou que várias entidades ligadas ao Judiciário são contra a proposta e defendem o concurso público como forma de ingresso para titulares de cartórios.
O deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP) chamou a proposta de “trem da alegria”. “É como se transformássemos os nossos assessores de gabinetes em efetivos por uma lei. É isso que se quer com essa PEC”, criticou.
“Será um trem da alegria proporcionado pela omissão do poder público e dos tribunais de Justiça e não por mérito dos titulares”, disse.
O deputado Silvio Costa (PSC-PE), no entanto, diz que a PEC “corrige um equívoco”. Segundo ele, “quando se faz um concurso, ninguém quer ir trabalhar numa cidade pequena do interior”.