Compliance, a tendência irreversível
Sob o título “Compliance e concorrência, um casamento que já deu certo”, o artigo a seguir é de autoria de Giovanni Paolo Falcetta e Marcio de Carvalho Silveira Bueno, sócios de TozziniFreire Advogados nas áreas de Compliance e Antitruste, respectivamente.
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O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) publicou no último dia 19 o “Guia para Programas de Compliance”, documento que traz orientações para estruturação dos programas de compliance concorrencial.
Esse movimento do Cade é importante por deixar claro o que é esperado das empresas no que se refere a prevenção de condutas anticompetitivas.
No tripé prevenção–detecção–remediação, o Conselho é bastante didático ao esclarecer e trazer elementos que focam exatamente na prevenção, exercendo a função educativa do órgão e incentivando o cumprimento da lei. O Guia inova ao tratar de questões práticas de como implementar o programa de forma efetiva.
Os recursos destinados ao programa, por exemplo, são alvo de um item próprio. O Cade acertadamente tenta desmistificar a noção de que um bom sistema de compliance deva ser, necessariamente, caro. Como apontado no documento, os recursos a serem destinados para um programa desse tipo devem observar o binômio risco da empresa versus custo da potencial investigação a ser evitada.
É sempre importante frisar que investigações de conduta anticoncorrencial (assim como de corrupção) podem atingir montantes exorbitantes, dependendo do porte da companhia e do ilícito praticado, valores estes que não serão direcionados para o negócio ou acionistas. Assim, quanto maior o potencial custo de uma investigação desse tipo, mais necessário será o investimento em prevenção, devendo ser direcionados recursos adequados para mitigar a exposição da companhia.
Outro ponto relevante apontado pela autarquia é o repúdio aos programas de fachada e às estruturas de compliance sem devida autonomia e/ou independência. Certamente, pelo que se vê do Guia, empresas que adotarem uma abordagem meramente formal e superficial não passarão pelo crivo do órgão e, em vez de benefícios, podem ter suas penalidades agravadas.
A governança corporativa, no tocante à inserção do compliance nas estruturas atuais, também não passou despercebida. Ainda que não recomende uma estrutura padrão, o Cade indica que, independentemente da parte do organograma em que o compliance (ou a pessoa representando a função) esteja inserida, o importante é que exista autonomia para verificar eventuais não observâncias ao programa. Além disso, o Cade indica a possibilidade de criação de um comitê vinculado ao Conselho de Administração, contando com especialistas externos que monitorariam o desenvolvimento do programa. Trata-se de uma prática bastante interessante que pode trazer um conforto ainda maior aos membros do Conselho.
Outro destaque é o foco na mudança cultural das empresas. O documento cita exemplos diretos de treinamento, trazendo, por exemplo, o entendimento sobre treinamentos on-line versus presencial, destacando a possibilidade de coexistência de ambos. Além disso, a autarquia mostra dar valor aos variados métodos de disseminação, que poderão ser importantes para fixar as regras internas e externas.
Em relação à prevenção de condutas anticompetitivas, o conjunto de orientações indica procedimentos específicos para que se ataque os riscos de caracterização de cartelização (em âmbito privado e em licitações), além de padrões de comportamento a serem seguidos no âmbito de associações setoriais, bem como os cuidados que podem ser tomados para evitar que políticas comerciais da empresa configurem restrições verticais abusivas.
O Cade reforça que o programa de compliance concorrencial eficaz é decisivo para detectar eventuais condutas anticompetitivas com antecedência, colocando a empresa em uma posição mais favorável para um acordo de leniência com a autoridade. Mas, o mais importante aqui, é que a autarquia afirma que a existência desse programa pode trazer benefício quanto às penalidades, afastando algumas proibições e reduzindo a multa aplicável. A saída encontrada pelo órgão é a de considerar a adoção de um programa de compliance robusto como uma evidência de boa-fé do infrator, podendo ser considerado como uma atenuante no cálculo da multa, alinhando-se a recentes casos norte-americanos (como o do Barclays).
Reconhecendo a importância da contribuição da iniciativa privada para o aprimoramento do Guia, o Cade indica que realizará encontros para debater o tema com advogados, representantes de empresas, acadêmicos. Para isso, abriu prazo de dois meses para o recebimento de contribuições da sociedade.
Para aqueles que ainda duvidavam se o compliance “pegaria” no Brasil, esse Guia do Cade é o indicativo de que esta é tendência irreversível. O jeito de fazer negócios por aqui já mudou e, em breve, o compliance deixará de ser vantagem competitiva e passará a ser, para os não-estruturados, apenas um motivo de exclusão do mundo globalizado dos negócios.