Prestação de contas e coisa julgada
Sob o título “A coisa julgada e o procedimento de prestação de contas na Justiça Eleitoral“, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e Procurador Regional da República aposentado.
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O procurador-geral eleitoral, Rodrigo Janot, determinou o arquivamento do pedido do ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Gilmar Mendes para a Procuradoria Geral da República investigar suspeitas de irregularidades na campanha eleitoral do ano passado da presidente Dilma Rousseff. O chefe do Ministério Público entendeu que não há indícios de irregularidades na contratação de uma gráfica – a VTPB Serviços Gráficos – pela campanha da petista.
Janot considerou que as contas já foram aprovadas em dezembro e o prazo para recursos se encerrou, impedindo qualquer questionamento, e também avaliou que não há indícios mínimos da prática de crimes que justifiquem a abertura de uma apuração.
O ministro Gilmar Mendes é relator da prestação de contas da campanha, que já foi julgada pelo TSE e aprovada com ressalvas, por unanimidade, em dezembro do ano passado. Ele manteve o processo aberto em razão de indícios de irregularidades verificadas na Operação Lava Jato.
Em maio do corrente ano, o ministro enviou ao procurador-geral eleitoral um ofício no qual apresentava reportagens jornalísticas que apontaram suspeitas de se tratar de uma empresa fantasma e sem estrutura para oferecer os serviços contratados.
Conforme dados do sistema de prestação de contas do TSE, a VTPB recebeu da campanha entre julho e outubro do ano passado R$ 22,908 milhões na campanha por publicidade e materiais impressos.
Na semana passada, o ministro Gilmar Mendes também enviou à Procuradoria Geral da República outro ofício, apontando suspeitas de crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica durante a campanha. Esse ofício ainda não respondido por Rodrigo Janot..
Com o devido respeito, não há a figura da coisa julgada em procedimentos administrativos como os de prestação de contas, no Juízo Eleitoral. Por essa razão podem eles ser reabertos, tão logo encontrados indícios de irregularidades nas contas fornecidas.
O entendimento trazido pelo Parquet é no sentido de que o processo de prestação de contas tem começo, meio e fim. Assim não se poderia “ressuscitar a instância eleitoral” já finda.
Não há coisa julgada na jurisdição voluntária, porque não há lide, no sentido de interesses contrapostos, mas um interesse único a considerar e, por isso mesmo, não há declaração de direito, no sentido de que o interesse do autor deva prevalecer sobre o do réu. Aliás, por isso mesmo, o Código de Processo Civil nem sequer usa as expressões “partes, autor, réu”, valendo-se da expressão “interessados”.
Adriano Soares da Costa(Instituições de direito eleitoral) assim disse:
“O processo de prestação de contas tem natureza administrativa. Não há “ação” processual pedindo a aplicação do direito objetivo ao caso concreto, deduzindo ação em sentido material. Presta-se contas porque é ônus de quem se candidata justificar em quê empregou os recursos públicos ou privados, sempre na conformidade da legislação eleitoral. Quem não se desincumbe deste ônus, não prestando contas, sofrerá os mesmos efeitos de quem, prestando, teve as contas rejeitadas.”
Disse ainda ele sobre essa atividade promovida pela Justiça Eleitoral:
“Para que possamos observar quando o Juiz Eleitoral está atuando como Juiz – é dizer, exercendo atividade jurisdicional -, e não como administrador judicialiforme, mister perquirir a referibilidade do interesse tutelado à sua atuação: se a regra jurídica for dirigida a ele, de modo a lhe outorgar o poder-dever de agir para a consecução da finalidade normativa, estará ele agindo na qualidade de administrador do processo eleitoral; se, ao revés, a atuação judicial for provocada por um interessado, com o escopo de aplicar o direito objetivo para fazer o seu direito subjetivo, estaremos diante de uma atividade jurisdicional, pela qual o Juiz agirá autoritativa e imparcialmente”.
Adriano Soares da Costa corrobora do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, ao considerar que o exame das contas dá-se no exercício de atividade administrativa.
No mesmo sentido Pedro Rosa(Do cabimento do recurso eleitoral no processo de prestação de contas e partidos e candidatos), para quem:
“O processo de prestação de contas, seja anual, seja de campanha, é um procedimento administrativo, pelo qual são mostradas todas as movimentações financeiras dos partidos políticos e candidatos. Não há partes, nem lide. Há interessados. Sua natureza é meramente administrativa”.
Ora, uma das características da atividade administrativa de prestação de contas é de não possuir coisa julgada, como ocorre com os procedimentos de jurisdição voluntária.
De toda sorte, se houve a prática de crimes durante a campanha, seja de falsidade, lavagem de dinheiro, até de sonegação fiscal, eles devem ser investigados em todas as suas circunstâncias quanto a materialidade e autoria delituosas.