Fatos colocam Judiciário em xeque, diz Nalini sobre as decisões de Souza Lima
Por unanimidade, Órgão Especial do TJ-SP afasta desembargador acusado de favorecer traficante.
Por unanimidade, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo acompanhou nesta quarta-feira (23) o voto do desembargador José Renato Nalini, presidente da Corte, que propôs o afastamento cautelar do desembargador Otávio Henrique de Souza Lima, acusado de conceder liminar de soltura de um traficante sem a devida fundamentação.
No dia 5 de agosto de 2015, Souza Lima concedeu liminar em habeas corpus (distribuído por direcionamento, pois não era o juiz natural) expedindo alvará de soltura a Welinton Xavier, o “Capuava”, acusado de ser chefe de associação criminosa, sob a alegação de “fragilidade” das provas.
“Capuava” e mais quatro membros da associação foram presos em operação que apreendeu 1,5 tonelada de cocaína, produtos para fabricação da droga e armas de elevado potencial letal.
Para Nalini, a concessão da liminar de soltura a “Capuava”, assim como a manutenção dos demais membros do grupo na prisão, não teve “fundamentação, mínima que fosse”.
O presidente rechaçou as alegações de impedimento para atuar no caso e disse que não era de sua responsabilidade a veiculação dos fatos pela imprensa.
O procedimento foi instaurado no tribunal a partir de noticiário veiculado pelo jornal “O Estado de S. Paulo“, na edição de 8 de agosto de 2015, em reportagem sob o título: “Desembargador solta ‘Capuava’, maior traficante do Estado“.
Foi instaurado processo administrativo disciplinar contra o servidor do TJ-SP Paulo Roberto Sewaybriker Fogaça, para apurar a distribuição errada de dois habeas corpus ao desembargador Otávio Henrique, em razão de prevenções inexistentes.
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Eis trechos do relatório e do voto de Nalini:
“Não há, nem de perto nem de longe, qualquer prejulgamento de minha parte, quanto aos fatos de que aqui se está a tratar”.
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“Não é de responsabilidade deste Presidente a forma como a mídia, escrita, e falada, veiculou a situação a envolver Sua Excelência” (…) “divulgando fatos que, de mais a mais, ganharam notoriedade por meios, em princípio, à sorrelfa desta Presidência, que depois, palmar, mentir não podia, tampouco omitir”.
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“Não carreguei nas tintas ao afirmar que as decisões de Sua Excelência (…) revelaram-se, em princípio, genéricas e desprovidas de adequada fundamentação. Não poderia ser de outra forma, respeitando-se os entendimentos contrários”.
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“Da simples leitura delas não se extrai, mais uma vez com todo o respeito, o que levou Sua Excelência a decidir da forma como decidiu, especialmente quando (…) desconsideraram-se fatos relevantíssimos que, de início, poderiam ter sido levados em conta para o proferimento de tais decisões”.
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“Tenho eu por obrigação, não só moral, mas acima de tudo legal, diria eu, por imposição legal, apontar, com todas as letras aquilo que, sob a minha óptica, revela-se em descompasso com a norma constitucional, com a norma legal e mesmo com a norma, no caso, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, para tentar evidenciar, no caso, aos pares do Colendo Órgão Especial, porque entendo, como aqui, de fato e de direito entendo, ser o caso de se abrir um Processo Administrativo Disciplinar”.
(…)
A decisão diz respeito “aos crimes imputado aos cinco indiciados, mas creio ser necessário que se esclareça o que, afinal, foi encontrado em poder do quinteto, para que se possa ter uma noção do que se esteve a decidir: “Foi apreendida cerca de uma tonelada e meia de ‘cocaína’ pura, extratos 1.623 kg! Nao bastasse, exatos 898,95 kg de insumos, produtos químicos variados e destinados, precipuamente, para o preparo da substância maldita, ‘cocaína’! E não bastasse, dentre as armas de fogo de elevado potencial letal, fuzis que poderiam derrubar helicópteros!”
(…)
Deveria o desembargador “ter dado uma fundamentação adquada e à altura dos fatos que lhes foram postos para análise”. (…) Não se pode dizer que a decisão concessiva da liminar, justamente para o acusado de ser o chefe da associação criminosa voltada para a prática de crime de narcotráfico, tenha tido fundamentação, mínima que fosse. Não teve!”
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“Não soltou os demais pacientes e também o fez à míngua de qualquer fundamentação!”
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“Nos tempos atuais, já vai longe à época em que se podia dar esse tipo de ‘fundamentação’ para qualquer questão posta para apreciação do Poder Judiciário”.
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“Fundamentação defeituosa, capenga, na prática é inexistente e subtrai das partes, Ministério Público e defesa, o controle das razões que levaram o Magistrado a decidir deste ou daquele modo”.
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“Não é à toa que se multiplicaram as notícias, por parte da mídia, acerca da vergastada decisão, a gerar, desnecessariamente, desgaste à imagem do Poder Judiciário”.
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“Mas aqui temos um outro complicador. O Desembargador Otávio Henrique não era o Juiz Natural do indigitado habeas corpus, impetrado em favor dos cinco sobreditos pacientes e apontado como autoridade coatora a MMª Juíza de Direito da 2ª Vara de Santa Isabel! Sua Excelência não era o Juiz Natural da causa, que lhe foi direcionada de propósito, por dolo ou por culpa, é o que se deverá descobrir após investigações”.
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“As consequências dessas direcionadas distribuições, indevidas distribuições, ao Excelentíssimo Desembargador Otávio Henrique, foram graves e resultaram em efeito cascata”.
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Outro habeas corpus “tratava de questionar a prisão cautelar do pacente Eduardo Pereira Motta, que fora preso em flagrante no dia 3 de maio de 2015, com 12 tijolos de pasta base de ‘cocaína’, ou seja, 12kg de ‘cocaína’, paciente que já fora condenado pelos crimes de roubo e narcotráfico! Aqui, Sua Excelência concedeu a liminar pleiteiada, relaxando a prisão em flagrante do paciente, com base em erro material, consistente do horário de sua prisão, que não correspondia ao horário das oitivas das testemunhas”.
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“Chegaram a esta Egrégia Presidência documentos variados e múltiplos, dando conta de que o mesmo desembargador, em plantões judiciários, mais uma vez por intermédio de decisões lacônicas e genéricas, soltou presos e o fez de modo a contrariar entendimentos seus”.
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“Os fatos narrados tomaram proporções que colocaram em xeque a imagem do Poder Judiciário Bandeirante”.
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“Não se pode, em um momento delicado como este, tergiversar com aquilo que centenas, senão milhares de juristas que nos antecederam procuraram, ao longo dos anos, construir: uma imagem inatacável deste Tribunal de Justiça”.