O voto de Nalini e o papel da mídia

Frederico Vasconcelos

Nalini e voto no OE“Foi um voto longo e muitíssimo bem fundamentado”, afirmou um desembargador sobre o voto do presidente do TJ-SP, que propôs nesta quarta-feira (23) a abertura de processo disciplinar e o afastamento cautelar do desembargador Otávio Henrique de Souza Lima. Essa avaliação ressalta exatamente o que teria faltado na decisão do magistrado, quando liberou o traficante “Capuava”: fundamentação.

“Não se pode dizer que a decisão concessiva da liminar, justamente para o acusado de ser o chefe da associação criminosa voltada para a prática de crime de narcotráfico, tenha tido fundamentação, mínima que fosse. Não teve!” –enfatizou Nalini em seu voto.

Já na portaria que determinou a sindicância o presidente afirmara que “as decisões do sindicado eram faltas de fundamentação, ao arrepio do art. 93, IX, da Constituição Federal, porque genéricas e desprovidas de um mínimo de fundamentação”.

Diz Nalini em seu relatório: “O quadro delineado nos autos não é sugestivo de um fato isolado, mas revelador de um padrão acinzentado de situações fáticas obnubiladas, turvadas, de pontos de interrogação, a deixarem as partes, todas elas, bem como todos aqueles que se socorrem do Poder Judiciário, no mínimo com dúvidas sobre a higidez do agir de um ocupante do elevado cargo de Desembargador”.

As 51 páginas do relatório e voto do presidente do TJ-SP permitem várias leituras.

O procedimento teve origem a partir de notícia divulgada no jornal “O Estado de S. Paulo”, no dia 8 de agosto, com a solicitação da Presidência para que o desembargador prestasse informações. Ou seja, o voto revela que o presidente do tribunal, em curto prazo, atuando como relator, conduziu uma sindicância administrativa que trouxe à tona farta documentação, boa parte dela fornecida pelo investigado.

O caso tem aspectos singulares, além da dificuldade natural de um magistrado investigar e julgar um de seus pares.

Como este Blog registrou, “as suspeitas levantadas contra Souza Lima provocaram surpresa e revolta entre alguns desembargadores. Surpresa, pelo fato de o magistrado ser filho e irmão de desembargadores tidos como exemplares, cultos e íntegros. Revolta, por entenderem que os supostos procedimentos de um magistrados atingem todos os desembargadores”.

Em várias passagens do relatório e do voto, Nalini aborda o papel da imprensa.

“É preciso que o universo da Magistratura compreenda o assédio da mídia em relação aos casos rumorosos, ainda mais quando o objeto tratado envolve a apreensão de toneladas de substância entorpecente, equipamentos utilizados para a sua fabricação e armamentos, além do suposto envolvimento de uma Organização Criminosa (PCC), caso desta Sindicância”.

E mais: “É de conhecimento geral que a mídia se aproveita de algumas situações aparentemente graves, como a analisada nesta sindicância, para criticar avidamente o Poder Judiciário. Assim, faz-se necessário que o Magistrado se acautele, por todos os meios, para proferir decisões que possuam o mínimo de densidade técnica e não possam colocar em xeque a higidez da instituição, no caso o Tribunal de Justiça, ainda que, aos olhos do povo, tal decisão possa não lhes agradar”.

Este Blog mantém a avaliação feita ao tratar pela primeira vez do caso, no dia 25 de agosto: “O que reforça a imagem negativa do Judiciário não são os casos isolados de malfeitorias, que acontecem também em outras instituições, mas o sentimento de impunidade quando as suspeitas graves não são apuradas e punidas”.

A abertura do processo disciplinar contra o desembargador Otávio Henrique de Souza Lima, que terá oportunidade de ampla defesa, responde à expectativa da sociedade traduzida em editorial da Folha: “Sem açodamento ou prejulgamento de qualquer natureza, é crucial que o Tribunal de Justiça mostre disposição de investigar e eventualmente punir um dos seus”.

O voto de Nalini –acompanhado por 22 desembargadores– mostrou essa disposição.