A quem interessa o esquartejamento?

Frederico Vasconcelos

Sob o título “O início do fim!“, o artigo a seguir é de autoria de Edison Vicentini Barroso, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

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Uma decisão do STF decretou o início do fim da Operação Lava Jato, como a conhecemos. Diz-se que, na vida, tudo é questão de opinião, ponto de vista. Eis o meu.

Em time que ganha não se mexe, diz o ditado. Até então, o juiz federal Sergio Moro, de Curitiba, vinha centralizando tudo quanto ligado ao esquema de compra de apoio político para o governo federal por meio da corrupção, desde os idos do Mensalão. E sempre o fez com mestria e segurança.

No STF, em razão do foro privilegiado, a competência era do ministro Teori Zavascki – exclusivamente. Mas surgiu a investigação relativa à senadora petista Gleisi Hoffman. Aí, sob pretexto de falta de conexão do caso com os desvios da Petrobras, com base em questão de ordem levada ao plenário pelo ministro Dias Toffoli, ficou decidido que, daqui pra frente, este substituirá Zavascki no caso.

Mas, não ficou nisso. Foi deslocada a competência doutros casos – por ora, da Justiça Federal de Curitiba para a de São Paulo, tirando-os das mãos de Sergio Moro. Essa decisão se deu por maioria de votos, vencidos Gilmar Mendes e Celso de Mello.

Não se questiona a competência do Tribunal para decidir do assunto.

Porém, discutível da oportunidade e conveniência da medida –principalmente, a este passo das investigações em curso e pelos precedentes que provam tratar-se duma mesma organização criminosa de pessoas vinculadas a partidos políticos. Alguém duvida disso?

A decisão, como não poderia deixar de ser, foi comemorada por advogados dos presos na Lava Jato. Prevaleceu a principal tática para se tentar escapar às condenações: tirar do caminho Sergio Moro, o juiz implacável, o especialista na matéria, a pedra de tropeço dos interesses escusos.

“No fundo, o que se espera é que os processos saiam de Curitiba e não tenham a devida sequência em outros lugares. É bom que se diga em português claro”, advertiu Gilmar Mendes.

A este se associou Celso de Mello, afirmando: “O Ministério Público Federal destacou que a investigação penal, não obstante fragmentada em diversos inquéritos e procedimentos de apuração de delito, tem por objetivo uma vasta organização criminosa de projeção tentacular com métodos homogêneos de atuação, integrada por diversos atores e protagonistas e operando por intermédio de vários núcleos com idêntico ou semelhante modus operandi na captação, operacionalização e distribuição criminosa de
vantagens ilícitas”.

Pergunta-se: a quem interessa o fatiamento da Lava Jato? Quem lucra com seu esquartejamento? Dúvida não há! Doravante, quase certo que muitos inquéritos e denúncias deixem de ser feitos pela força-tarefa de procuradores e policiais federais montada no Paraná, sob comando de Moro e capaz, ao menos até agora, de desbaratar uma quadrilha de desvio de recursos públicos nunca dantes vista no Brasil.

A porta foi arrombada, para desespero da Nação! Novas manobras se seguirão. Recursos, filigranas, artimanhas jurídicas ganharão força –capazes de favorecer, a mais não poder, investigados e réus.

A visão de conjunto cindida, dividida entre muitos focos de atuação –embora relativa a uma só e mesma quadrilha (coisa mais que perceptível) –, inevitavelmente, levará a um arremedo de investigação.

Assim, perdido o olhar do conjunto dos fatos, a par do natural comprometimento da melhor verificação dos episódios, daqui por diante examinados de per si, fora do leque maior da conexão intrínseca entre os diversos modos de operar, no seio dum só e mesmo esquema corrupto e corruptor, se estará tirando à Lava Jato a força de coesão. É seu enfraquecimento pela divisão!

A investigação separada de condutas aparentemente desconexas, mas positivamente interligadas pela imensa teia de corrupção inserida em múltiplas partes do estado brasileiro – não apenas na Petrobras, mas na Eletronuclear, no ministério do Planejamento e onde mais se tenha enquistado a quadrilha montada para arruinar os cofres da Nação –, decerto trará uma visão parcial, desfigurada mesmo, dos pontos mais importantes da investigação.

E tendo esta começado em Curitiba, sob o comando experiente de Moro, estende-se hoje pelo País todo, na proporção do tamanho dos tentáculos dessa gigantesca organização. Intuitivo que, para enxergar o todo, se faz indispensável uma visão central – de conjunto! Agora, retirada à investigação.

Doravante nas mãos de vários juízes, a visão geral ficará perdida (quando não, muito prejudicada) – como querem os amigos da corrupção, pelo estímulo à confusão. Tudo tende a se nublar, perdidos os detalhes dos contornos que poderiam conduzir à elucidação.

E decisões conflitantes certamente advirão, em resposta a essa infeliz dispersão. Tudo questão de opinião, num Brasil farto de corrupção. Parecenos o início do fim da legítima associação dos agentes curitibanos de proteção, no vasto seio desta Nação.

O Brasil tem fome de correção e não mais tolera a desmoralização. Seu povo começa a enxergar o jogo, no tabuleiro da ilusão. Chegará o tempo, e a hora é esta, do momento da redenção. Não brinquem, pois, com os brios da população, já suficientemente esclarecida das teias da dissimulação.

Acorda, Brasil!