Danos irreparáveis do auxílio-moradia
Sob o título “Questão do auxílio-moradia“, o artigo a seguir é de autoria do advogado Rogério Tadeu Romano, Procurador Regional da República aposentado.
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Por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou no dia 29 de setembro do corrente, mandado de segurança contra a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que, em 2006, considerou ilegal a concessão de auxílio-moradia para membros do Ministério Público da União em caso de promoção com deslocamento para outra cidade. A decisão foi tomada no MS 25838.
A decisão reforça a necessidade de que o STF julgue a liminar concedida pelo ministro Luiz Fux –exatamente um ano atrás– que determinou o pagamento de auxílio-moradia para todos os juízes do país, benefício depois estendido ao Ministério Público. O auxílio é de R$ 4.377,73, mesmo para quem mora em casa própria.
O mandado de segurança julgado pela Segunda Turma foi impetrado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
Depois da decisão do TCU, o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, editou a Portaria 8/2006 para explicitar que o auxílio-moradia se restringia aos membros do MP da União lotados nas localidades cujas condições de moradia são consideradas particularmente difíceis e onerosas.
Segundo informa o STF, o representante da ANPR sustentou na sessão que a discussão se esvaziou depois que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), estendeu, em 2014, o auxílio a todos os membros do MP, exceto os que residem em imóvel funcional.
Em seu voto, o ministro Teori Zavascki, relator da matéria, entendeu que o procurador-geral da República extrapolou seu poder regulamentador. Lembrou que o benefício previsto na Portaria 495/1995 foi concedido com base no artigo 227 (inciso VUI) da Lei Complementar 75/1993. Mas, para o relator, ao editar essa portaria, o procurador-geral da República extrapolou seu poder regulamentador. “Os atos administrativos normativos não podem ultrapassar os limites da lei que visam regulamentar, dispondo sobre situações não previstas na norma primária”, frisou o ministro, salientando que a LC 75/1993 falava em localidades cujas condições de moradia são consideradas particularmente difíceis e onerosas. A norma delegou ao procurador atribuição para definir esses locais. Não havia discricionariedade para que o chefe do MP criasse outras condições, segundo o ministro.
Ao negar o pedido da ANPR, o relator salientou que a decisão do TCU e a Portaria 8/2006 da PGR limitaram-se a adequar a Portaria 495/1995 aos limites da Lei Complementar 75/1993.
Ora, as instruções, normas típicas chamadas de secundárias, dispõem, em geral, sobre a execução de serviços públicos, ou de normas legais, ou regulamentares. Segundo Carré de Malberg, as instruções só produzem efeito no interior do serviço, porque se originam do serviço e se editam em virtude das relações que o serviço engendra entre chefes e subordinados (Teoria general del Estado, pág. 605), não obrigando, desta forma, os particulares. Essas instruções são formalizadas através de portarias.
Essas portarias não se confundem com os regulamentos de execução que emanam do Executivo e se destinam a assegurar à lei a sua execução, pormenorizando-as, mas, sem feri-las.
O regulamento atua dentro do círculo traçado pela lei.
Ora, se o regulamento de execução, editados nos estritos limites do poder regulamentar pelo Presidente da República (artigo 84, IV, da Constituição Federal), não podem extrapolar os termos da lei, ainda mais as portarias.
É certo que se poderia falar numa atividade de densificação da norma, que, na lição de J.J.Gomes Canotilho (Direito Constitucional, 4º edição, pág. 1165), significa preencher, complementar e precisar o espaço normativo de um preceito especialmente carecido de concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse preceito, dos problemas concretos.
Não é assim que o Supremo Tribunal Federal entendeu a matéria.
Se o regulamento não pode trazer novidade, pois só a lei a traz, que dirá uma portaria, emanada da Administração, nos estritos termos da lei, e conforme a lei, sem extrapolá-la em caso algum ou criar direitos, relações jurídicas.
A portaria, pois, não pode extrapolar os termos da lei, norma típica primária, que cria direitos, em termos abstratos. Ora, a portaria não pode criar direitos, não pode extrapolar os termos da lei, pois essa não é sua missão. É o principio da legalidade estrita.
Fala-se na decisão do Ministro Fux que concedeu em caráter universal a aplicação desse beneficio do auxílio-moradia.
Depois de determinar o pagamento de auxílio-moradia aos juízes federais, o ministro Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal, ampliou o benefício para membros da Justiça do Trabalho, da Justiça Militar e para magistrados de nove estados: Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo. O ministro fez questão de ressaltar “que o pagamento do referido auxílio independe de regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça”. Com isso, o ministro garante o benefício a toda a magistratura. Os demais estados e o Distrito Federal não foram incluídos na ação porque já pagam o benefício.
Um dia depois de conceder a liminar na Ação Originária 1.773, que deu o benefício aos juízes federais, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) ingressaram com ações pedindo também o auxílio. Na quinta-feira (25/9), o ministro atendeu ao pleito das associações e determinou o pagamento, nos mesmo termos da decisão proferida na AO 1.773.
Ao julgar o pedido dos juízes federais, Fux explicou que a decisão tem caráter de equiparação. De acordo com ele o CNJ, o Supremo Tribunal Federal, os tribunais superiores, o Ministério Público, além de alguns tribunais estaduais já pagam o auxílio-moradia. “Em razão, também, da simetria entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público, que são estruturadas com um eminente caráter nacional, defiro a tutela antecipada requerida, a fim de que todos os juízes federais brasileiros tenham o direito de receber a parcela de caráter indenizatório prevista no artigo 65, inciso II, da LC 35/79 [Lei Orgânica da Magistratura]”, escreveu Fux.
O ministro seguiu o que diz o parece da PGR no caso, assinado pelo procurador-geral Rodrigo Janot. O documento afirma que o auxílio-moradia tem caráter indenizatório e não remuneratório, o que “o torna compatível com com o regime constitucional de subsídio aplicável aos juízes”. Janot também afirmou que “nada justifica que apenas ministros percebam o auxílio-moradia e não os juízes de primeiro e segundo graus, uma vez que a base normativa desse direito é absolutamente a mesma”.
O CNJ regulamentou o pagamento de auxílio-moradia aos magistrados. O Conselho aprovou a resolução 199, assinada pelo ministro Ricardo Lewandowski, que prevê o pagamento do benefício a todos os membros da magistratura, nos termos do art. 65, inciso II, da Loman (LC 35/79).
A ajuda de custo para moradia ocorrerá nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do magistrado. O valor do benefício não poderá exceder a quantia oferecida para os ministros do STF de R$ 4.377,73, e nem ser inferior àquela paga aos membros do MP. A concessão do benefício não é retroativa e vale a partir de 15/9/14.
De acordo com a resolução, o magistrado não terá direito ao pagamento da ajuda de custo para moradia quando houver residência oficial colocada à sua disposição, ainda que ele não a utilize, estiver inativo, licenciado sem percepção de subsídio, se perceber, ou pessoa com quem resida, vantagem da mesma natureza de qualquer órgão da administração pública, salvo se o cônjuge ou companheiro mantiver residência em outra localidade. Para requerer o auxílio, o magistrado deverá indicar a localidade de sua residência.
As despesas para o implemento da ajuda de custo para moradia correrão por conta do orçamento de cada Tribunal ou Conselho. De acordo com a AMB, atualmente, o país conta com 16.429 magistrados. Desse total, mais de 10 mil juízes já recebiam o benefício, que já era regulamentado em 17 estados.
Para aprovar a resolução, o plenário considerou diversos fatores, dentre eles, o fato da ajuda de custo já ser paga por alguns tribunais em “patamares díspares, acarretando injustificável tratamento diferenciado entre magistrados”. Também foram consideradas recentes decisões do ministro Luiz Fux, do STF, que reconheceram o caráter indenizatório da ajuda de custo para moradia, desde que não haja residência oficial.
Mas é questionável o poder regulamentar dado ao Conselho Nacional de Justiça. A esse respeito tem-se interessante estudo de Lenio Streck, Ingo Wolfang Sarlet e Clermerson Merlin Clève [1] onde se conclui:
“No Estado Democrático de Direito, é inconcebível permitir-se a um órgão administrativo expedir atos (resoluções, decretos, portarias, etc) com força de lei, cujos reflexos possam avançar sobre direitos fundamentais, circunstância que faz com que tais atos sejam ao mesmo tempo legislativos e executivos, isto é, como bem lembra Canotilho, a um só tempo “leis e execução de leis”. Trata-se – e a lembrança vem de Canotilho – de atos que foram designados por Carl Schmitt com o nome de “medidas”. Essa distinção de Schmitt é sufragada por Forsthoff, que, levando em conta as transformações sociais e políticas ocorridas depois de primeira guerra, considerava inevitável a adoção, por parte do legislador, de medidas legais destinadas a resolver problemas concretos, econômicos e sociais. Daí a distinção entre leis-norma e leis de medida. Na verdade, as leis-medida se caracterizam como leis concretas. A base da distinção nas leis concretas não é a contraposição entre geral-individual, mas entre abstrato-concreto (K.Stern). O interesse estará em saber se uma lei pretende regular em abstrato determinados fatos ou se se destina especialmente a certos fatos ou situações concretas. Também aqui a consideração fundamental radicaria no fato de uma lei poder ser geral, mas pensada em face de determinado pressuposto fático que acabaria por lhe conferir uma dimensão individual, porventura inconstitucional. [2]
O fato de a EC 45 estabelecer que os Conselhos podem editar atos regulamentares não pode significar que estes tenham carta branca para tais regulamentações. Os Conselhos enfrentam, pois, duas limitações: uma, stricto sensu, pela qual não podem expedir regulamentos com caráter geral e abstrato, em face da reserva de lei; outra, lato sensu, que diz respeito a impossibilidade de ingerência nos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Presente, aqui, a cláusula de proibição de restrição a direitos e garantias fundamentais, que se sustenta na reserva de lei, também garantia constitucional. Em outras palavras, não se concebe – e é nesse sentido a lição do direito alemão – regulamentos de substituição de leis (gesetzvertretende Rechtsverordnungen) e nem regulamentos de alteração das leis (gesetzändernde Rechtsverordnungen). É neste sentido que se fala, com razão, de uma evolução do princípio da reserva legal para o de reserva parlamentar. [3]
Tratando-se, desse modo, de atos de fiscalização administrativa, estes apenas podem dizer respeito à situações concretas. Neste caso, deverão observar, em cada caso, o respeito aos princípios constitucionais, em especial, o da proporcionalidade, garantia fundamental do cidadão enquanto asseguradora do uso de meios adequados pelo poder público para a consecução das finalidades (previstas, como matriz máxima, na Constituição). Há, assim, uma nítida distinção entre a matéria reservada à lei (geral e abstrata) e aos atos regulamentares. A primeira diz respeito a previsão de comportamentos futuros; no segundo caso, dizem respeito as diversas situações que surjam da atividade concreta dos juízes e membros do Ministério Público, que é, aliás, o que se denomina – e essa é a especificidade dos Conselhos – de “controle externo”.
Não se pode olvidar outro ponto de fundamental importância. A Constituição do Brasil estabelece no artigo 84, IV, in fine, o poder regulamentar do Chefe do Poder Executivo, podendo expedir decretos e regulamentos para o fiel cumprimento das leis, tudo sob o controle e a vigilância do Poder Legislativo em caso de excesso (art. 49,V) e da jurisdição constitucional nas demais hipóteses. Nesse sentido, fica claro que as exceções para a edição de atos normativos com força de lei (art. 62) e da possibilidade de delegação legislativa (art. 68) tão-somente confirmam a regra de que a criação de direitos e obrigações exige lei ou ato com força de lei, conforme se pode verificar na própria jurisprudência do STF (AgRg n. 1470-7). [4]
E mesmo a lei (stricto sensu) possui limites. É o que se chama de “limites dos limites” (Schranken-Schranken), como bem lembra Gilmar Ferreira Mendes, ao assinalar que da análise dos direitos fundamentais é possível extrair a conclusão errônea de que direitos, liberdades, poderes, garantias são passíveis de ilimitada limitação ou restrição. É preciso não perder de vista, porém, que tais restrições são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes, que balizam a ação do legislador quando restringe direitos fundamentais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial (Wesengehalt) do direito fundamental, quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas. [5]
De frisar, por outro lado, que esse poder regulamentar conferido ao Poder Executivo (e não, por exemplo, ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público) advém da relevante circunstância representada pela legitimidade do Presidente da República, eleito diretamente em um regime presidencialista (em países sob regime parlamentarista, essa legitimidade é do Governo, confundindo-se o poder executivo com o legislativo). Mas, mesmo assim, esse poder regulamentar – tanto no presidencialismo como no parlamentarismo – não pode criar direitos e obrigações [6]. Não é demais lembrar, neste ponto, o âmbito próprio do respeito aos direitos fundamentais, característica básica do paradigma do Estado Democrático de Direito.
Portanto, as resoluções que podem ser expedidas pelos aludidos Conselhos não podem criar direitos e obrigações e tampouco imiscuir-se (especialmente no que tange à restrições) na esfera dos direitos e garantias individuais ou coletivas. O poder “regulamentador” dos Conselhos esbarra, assim, na impossibilidade de inovar. As garantias, os deveres e as vedações dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público estão devidamente explicitados no texto constitucional e nas respectivas leis orgânicas. Qualquer resolução que signifique inovação será, pois, inconstitucional. E não se diga que o poder regulamentar (transformado em “poder de legislar”) advém da própria EC 45. Fosse correto este argumento, bastaria elaborar uma emenda constitucional para “delegar” a qualquer órgão (e não somente ao CNJ e CNMP) o poder de “legislar” por regulamentos. E com isto restariam fragilizados inúmeros princípios que conformam o Estado Democrático de Direito.
Por derradeiro: regulamentar é diferente de restringir. De outra parte, assim como já se tem a sindicabilidade até mesmo em controle abstrato de atos normativos de outros poderes (leis em sentido material), [7] como os regimentos internos dos tribunais, provimentos de Corregedorias, etc, muito mais será caso de controle de constitucionalidade a hipótese de os Conselhos virem a expedir resoluções restringindo direitos e garantias pessoais, funcionais e institucionais.[8] Muito mais do que uma mera e egoística disputa por prerrogativas – como habitualmente acabam sendo qualificadas, em terrae brasilis, tentativas legítimas e democráticas de impugnação de uma série de medidas e reformas – está em causa, aqui, a defesa enfática e necessária dos elementos essenciais do nosso Estado Democrático de Direito, que, por certo, não há de ser um Estado governado por atos regulamentares, decretos e resoluções.”
No entanto, agiu bem a Advocacia-Geral da União ao questionar em juízo o beneficio.
A AGU buscou suspender a decisão que assegurou o pagamento do benefício, independente de regulamentação, no valor máximo pago aos ministros do STF. A determinação veio após alguns juízes Federais entrarem com ação ordinária solicitando o pagamento. Alegaram que teriam direito ao auxílio, já que outros membros das carreiras da magistratura o recebem, e também devido a inexistência de residência oficial à disposição no local onde exercem suas atividades rotineiras.
A AGU explica que a determinação é ilegal e já está ocasionando dano irreparável para a União. Isso porque o montante de despesa mensal, não prevista no orçamento, atinge cifras milionárias e é de difícil ressarcimento, contrariando texto constitucional.
A ação também destaca que não foi considerado o potencial impacto da medida em outros órgãos judiciais, além da ausência de qualquer precedente da Corte Suprema sobre o tema.
“A questão aqui colocada é simplesmente a da ausência de previsão legal que regulamente a vantagem pleiteada. Ou seja, ainda que o pagamento seja justo, seria necessário que tal vantagem fosse deferida por intermédio de ato normativo, de competência do Poder Legislativo. Segundo a AGU, estudo de impacto orçamentário do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão aponta que, projetando a decisão de 15 de setembro de 2014 para até o final deste ano, cerca de R$ 101,5 milhões podem sair dos cofres públicos.”
De acordo com a Advocacia-Geral, ao determinar o imediato pagamento de auxílio-moradia aos juízes federais, a liminar afrontou o acórdão do próprio STF na ADC 4-MC, pois concedeu, indevidamente, antecipação de tutela contra a Fazenda Pública para incluir em folha de pagamento valores pecuniários até então não pagos aos juízes.
Para a Advocacia-Geral da União, também foi equivocada a decisão ao abranger o pagamento do auxílio “a todos os juízes federais brasileiros”, pois pretendeu “alcançar diversas pessoas que não são parte da ação, desrespeitando, a um só tempo, os comezinhos princípios do direito de ação e da inércia do Poder Judiciário.”
Discute-se a natureza jurídica desse beneficio.
Em decisão tomada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em ação judicial promovida contra o Estado de Mato Grosso entendeu-se que possuem natureza salarial, e não indenizatória, as verbas recebidas a título de reposição de redutor salarial, e de correção monetária e juros de mora em relação a pagamento de parcelas salariais feitas em atraso.
Contra essa decisão foi ajuizado Recurso Especial 615.625 para o Superior Tribunal de Justiça onde se discutiu a natureza jurídica dessa verba.
No julgamento foi posto que quanto ao auxílio-moradia pago aos magistrados estaduais, verificava-se que a referida verba consistia em percepção de ajuda de custo, decorrente do efetivo exercício do cargo público, não constituindo acréscimo patrimonial, possuindo natureza indenizatória, razão pela qual não podia ser objeto de incidência de imposto de renda.
Lembro que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no julgamento do AGTR 32.572 – PB, nos termos do que já fora julgado pelo STF, quanto a beneficio instituído pelos representantes do Poder Legislativo Federal, em decisão da lavra do Ministro Marco Aurélio, entendeu que tal auxílio tinha natureza salarial, no momento em que não impunha aos seus beneficiários a obrigação de prestar contas em relação à sua autorização e fazia incidir sobre seu montante o imposto de renda.
Exatamente, sob tal fundamento, é que aplicando o comando constitucional que estabelece equivalência salarial entre os membros dos poderes constituídos, em tal decisão noticiada, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser impositivo constitucional, de modo a afastar a defasagem entre o percebido a título de salário pelos Ministros do STF e os parlamentares, pagar-se tal diferença, também aos membros do Poder Judiciário, logicamente, desde quanto o Poder Legislativo entendeu haver-se em tal beneficio. Tratou-se de preservar uma garantia constitucional aos magistrados federais.
A LOMAN, em seu artigo 65, II, previa não ser devida a ajuda de custo, para moradia, nas capitais. Contudo, a referida exceção foi excluída de seu texto pela Lei Complementar nº 54, de 22 de dezembro de 1986, sendo, portanto, também devida aos magistrados residentes nas capitais que atendam aos requisitos para se recebimento. Outrossim, em atenção, ao princípio da transparência, o valor pago a titulo de auxílio-moradia deve ser expressado de forma discriminada no contra-cheque do magistrado.
No que toca a exegese do artigo 65, II, da LOMAN, discutida no MS 26.794/MS, Relator Ministro Marco Aurélio, com relação ao auxílio-moradia de magistrados estaduais, concedeu-se, em parte, a segurança para afastar a exclusão do direito a magistrado que tiver residência própria e aos inativos e pensionistas cuja situação jurídica seja sacramentada pela Corte de Contas estadual. Relativamente ao auxílio-moradia, entendeu-se que se cuidava de parcela que possui natureza indenizatória, não integrando o que percebido pelo magistrado, não incidindo sobre ela tributos como o Imposto de Renda. Esclareceu-se que interpretações teratológica e vernacular do art. 65, II, da LOMAN revelariam o caráter linear da parcela, não mais havendo a restrição ás comarcas do interior, estranhas à capital (artigo 65). Aludiu que constataria não estar o valor pago ligado ao fato de o magistrado possuir ou não, residência própria, cabendo a satisfação, conforme disciplinado em lei, desde que não se colocasse à disposição do magistrado residência oficial.
Por certo discute-se, diante dos diversos preceitos lançados, à luz de princípios, no artigo 37 da Constituição Federal, a concessão desse benefício de auxílio-moradia, que a Procuradoria Geral da República, á luz da Portaria nº 486/2006, reconheceu para membros do Ministério Público Federal, agentes políticos, assim como os membros do Judiciário, enquanto o lugar de lotação for de difícil ou oneroso preenchimento. Sendo assim a natureza indenizatória do auxílio-moradia é incontestável, pois serve para ajudar na adversidade e naquilo que se mostra anormal e que refoge da capacidade e condição pessoal do magistrado. Devolve o que teve de despender, quando o faz para o exercício da atividade judicante, com caráter temporário e indenizatório, nos limites da razoabilidade
Ficam assim delineadas as características desse beneficio: indenização e temporariedade. Para Rui Stoco sua natureza indenizatória é incontestável. Serve para ajudar na adversidade e naquilo que se mostra anormal e que refoge da capacidade e condição pessoal do magistrado. Devolve o que teve de despender, quando o faz para o exercício da atividade judicante. Como tal tem afinidade com a ajuda de custo para despesas de transporte e mudança, que é concedida desde que para o exercício da atividade profissional de julgar. Seu limite para a concessão é o interesse público, condicionado na presença de condições indispensáveis ao exercício da judicatura “com eficiência e garantia”. Assim o montante devido para auxílio-moradia deve ser compatível com a despesa que o magistrado deve ter para tal. Mas tal beneficio não deve ter caráter permanente ou ainda fonte de lucro.
O beneficio há de ter um caráter indenizatório e temporário e pago por conta de condições excepcionais do exercício. Mas não pode ser universalizado, nem para magistrados ou membros do Ministério Público, como forma de esconder aumento de vencimentos, que apenas podem ser concedidos por lei. Fugir desse entendimento é ver tal beneficio como privilégio, algo que afronta a Constituição-cidadã de 1988, que, a bem do principio republicano, do principio da igualdade, do principio da moralidade, não admite essa forma de pensar.
Não se pode entender e aceitar o chamado auxílio-moradia como um privilégio, pois esses não se coadunam ao principio republicano, aos limites estritos da Constituição. Se esse benefício é concedido com base em ato administrativo, nos limites da Administração, sem anterior edição de lei, de caráter abstrato e cogente, então fere a Constituição e deve seu pagamento ser suspenso.
Em sendo assim, vista a natureza jurídica do benefício, não se pode estendê-lo para aposentados. Ora, o aposentado é inativo, não está em pleno exercício e a percepção desse benefício, de cunho indenizatório e transitório, se revela uma afronta a razoabilidade empírica.
Resta ao Supremo Tribunal Federal decidir, em definitivo, sobre a matéria, como guardião-maior da Constituição.
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