Lava Jato: quem sabe faz a hora
Frederico Vasconcelos
Em circunstâncias distintas e com trajetórias incomparáveis, os baianos Marcelo Odebrecht e Daniel Dantas souberam identificar o exato momento de maior exposição pública para tentar virar o jogo.Na CPI dos Grampos, em 2008, com o direito de ficar calado assegurado pelo Supremo, Dantas aproveitou a transmissão do depoimento pela televisão e o fraco desempenho dos parlamentares para fazer duras críticas às investigações conduzidas pelo delegado Protógenes Queiroz, da Polícia Federal, e ao ex-diretor da PF, Paulo Lacerda.Foi o começo da “volta por cima” do dirigente do Opportunity e o início do fim das carreiras de Queiroz e Lacerda.No depoimento à Justiça Federal do Paraná, nesta sexta-feira (30), na ação penal da Lava Jato, Odebrecht também tinha o direito de ficar calado. Falou, mas não respondeu. Exerceu igualmente um direito seu.Odebrecht aproveitou o tempo concedido pelo juiz Sergio Moro para “respeitosamente fazer algumas considerações iniciais”.Reiterou a intenção de colaborar com a investigação; reclamou da força-tarefa por não ter sido ouvido antes de ser preso; da falta de provas; dos muitos dias de prisão; do vazamento seletivo de informações e da “publicidade opressiva” de informações e trechos de conversas captadas em seu telefone.“Temo que este processo sirva para justificar a prisão preventiva injusta e desnecessária”, afirmou, numa crítica velada ao juízo.Como seus advogados protocolaram, antes da audiência, um documento com perguntas e respostas, Odebrecht não respondeu às perguntas formuladas pelo juiz.Por exemplo, nada disse sobre transferências a empresas offshore que abasteceram contas de ex-dirigentes da Petrobras.Remeteu as questões ao documento: “Tudo que sei sobre essas contas está respondido por escrito”, disse.Na peça de 19 páginas, ele expõe sua versão sobre as acusações. Alega desconhecer existência de cartel, de contas secretas e de suborno a ex-dirigentes da Petrobras e a políticos.De certa forma, Odebrecht inverteu os papéis. Dirigia-se ao juiz, criticava o Ministério Público. Como os depoimentos na Lava Jato são gravados e públicos, o empresário também sabia que estava falando –assim como Dantas– para o grande público.Ele reafirmou os procedimentos do conglomerado que preside, manifestou preocupação com a continuidade dos negócios do grupo em vários países e, como líder da corporação, falou da angústia e incerteza que atingem milhares de funcionários.Aparentemente, o documento redigido pela defesa teve dupla finalidade. Expôs de forma ordenada as alegações do empresário, cujas respostas serão juntadas aos autos, e evitou o constrangimento de responder diretamente ao juiz –o que também é um direito seu.Como se trata de uma audiência –e não de um júri popular– o depoimento escrito fará parte da defesa. Mas o juiz também decidirá a partir de outros depoimentos, delações premiadas, e provas materiais obtidas nas investigações no país e no Exterior.Distribuída à imprensa, a peça redigida pela defesa de Odebrecht é um documento de amplo interesse jornalístico, pois reúne de forma organizada o que o empresário pretendeu tornar público.Nenhuma nota oficial ou entrevista –exclusiva ou coletiva– cumpriria com maior eficiência esse objetivo.