Gambiarras jurídicas e desconforto

Frederico Vasconcelos

Rodrigo Janot e Gilmar Mendes

Durante os debates sobre o limite constitucional para remuneração de servidores públicos, o ministro Gilmar Mendes criticou o adicional para juiz que acumula processos ou varas e cobrou do Ministério Público a adesão a gambiarras que o Poder Judiciário tem produzido.

“É claro que se deve pagar um salário adequado, mas que seja legítimo e não fruto de concessões”, disse Gilmar, segundo revela reportagem da Folha nesta quinta-feira (19).

“Mendes ainda fez provocações ao Ministério Público. ‘Isso vale para nós e para o Ministério Público, que toda hora fala em equiparação. […] O país imerso numa crise, discutindo se paga ou não o Bolsa Família, aí a gente discute se procurador pode ou não andar de primeira classe”.

“Temos que fazer uma profunda autocrítica, porque estamos dando mau exemplo e ficamos sem condições de olharmos para os nossos servidores e para os jurisdicionados diante dessas gambiarras que estamos produzindo, com liminares, decisões e portarias”, acrescentou o ministro.

Ainda segundo a reportagem da Folha, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reagiu. “Disse seguir a lei e que a instituição está empenhada em evitar abusos.”

Numa sessão administrativa –só com os ministros– Mendes disse que Janot, embora não recebesse, autorizava vantagens para colegas.

Mendes repetiu o que já afirmara meses atrás.

Até hoje o STF não julgou a liminar concedida em setembro de 2014 pelo ministro Luiz Fux, que determinou o pagamento de auxílio-moradia para todos os juízes do país, benefício depois estendido ao Ministério Público. O auxílio é de R$ 4.377,73, mesmo para quem mora em casa própria.

No início de setembro, o site “Jota” informou que, em sessão administrativa, ministros do STF haviam cobrado a realização de julgamento da liminar.

Na ocasião, Gilmar Mendes “mostrou desconforto” com o fato de a liminar de Fux ainda não ter sido julgada. “Estamos pagando um preço altíssimo por conta desse auxílio”, afirmou Mendes. “Estamos numa posição muito frágil do ponto de vista jurídico e moral.”

Em dezembro, ao comentar privilégios previstos na proposta da Lei Orgânica da Magistratura, os ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso fizeram críticas a pagamentos que violam o regime de subsídio previsto na Constituição.

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A respeito do tema, eis dois comentários recebidos nesta semana pelo Blog, em post que tratou do questionamento feito por Janot no STF sobre o pagamento de auxílio-educação a juízes e servidores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e o pagamento de auxílios a juízes de Minas Gerais. Os autores são uma procuradora da República aposentada e um juiz de direito [este último, ao comentar observação de um leitor anônimo]:

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A coerência está escassa nos meios jurídicos. Por que o PGR aceitou o auxílio-moradia amplo geral e irrestrito para magistrados, depois estendendo ao MPU? Não viola o sistema de subsídios fixado na Constituição Federal? Morar bem, onde se quer, representa “atividade extraordinária”?! Não venham dizer que por sair da parte de custeio pode pagar sem limites! Não é à toa que parlamentares enredados na Operação Lava Jato continuam deitando e rolando, enquanto o resto da população, que não tem os penduricalhos que fogem da incidência do imposto de renda, amarga a perda de sua capacidade de saldar seus compromissos mensais e inadiáveis. Que vergonha! [Ana Amaral]

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De fato! Se os membros do MP recebem os mesmos benefícios e contra a lei que os concede nada fez o PGR, é devida uma explicação à sociedade. Aliás, o próprio administrador do Blog poderia fazer isso a fim de se divulgar aqui, as esperadas razões, sejam elas jurídicas, políticas ou, apenas, de conveniência. [Marco A. Machado]