Delcídio e garantia da ordem pública

Frederico Vasconcelos

Sob o título “A prisão do Senador”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador da Repúbllica aposentado.

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Os jornais destacam que o senador Delcídio Amaral (PT-MS) foi preso nesta manhã do dia 25 de novembro do corrente ano pela Polícia Federal. A operação foi autorizada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) depois que o Ministério Público Federal apresentou evidências de que ele tentava conturbar as investigações da Operação Lava Jato.

O STF também autorizou a prisão do banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, que estaria envolvido nas irregularidades.

Delcídio havia sido citado pelo ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que o acusou de participar de um esquema de desvio de recursos envolvendo a compra da refinaria de Pasadena, nos EUA.

Causa impacto a informação trazida do noticiário que “o senador teria até mesmo oferecido possibilidade de fuga a Cerveró em troca de ele não aderir ao acordo de colaboração com a Justiça, revelando as irregularidades da operação. A conversa foi gravada por um filho de Cerveró.”

Segundo o que noticia a Folha, em seu informativo eletrônico, do dia 25 de novembro do corrente, logo pela manhã, “o senador ofereceu R$ 50 mil mensais para tentar convencer o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró a não fechar acordo de delação premiada. Ela queria convencer Cerveró a fugir do país.”

Ainda se diz, in verbis, que: “O parlamentar queria evitar que o ex-executivo fizesse delação premiada, dando detalhes à Justiça do envolvimento dele em irregularidades na compra da refinaria de Pasadena, nos EUA e que Delcídio procurou Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobras, que estava preso, para fazer a proposta. Ele estava acompanhado do advogado do ex-executivo, Edson Ribeiro, que também tem ordem de prisão autorizada. O banqueiro Andre Esteves –que também preso–, do BTG/Pactual, estaria a par das negociações.O senador e o advogado expuseram na reunião com Bernardo a ideia da fuga.Cerveró iria de avião até o Paraguai. De lá, embarcaria para Madri, na Espanha. Como tem cidadania espanhola, ele não teria dificuldade de entrar no país e lá estabelecer residência.”

É a primeira vez que um senador é preso no exercício do cargo, já que a Constituição Federal só permite a prisão de parlamentar em crime flagrante. Neste tipo de ação, de obstrução de investigação, a conduta é considerada crime permanente. É um dos poucos motivos que leva a corte a aceitar prisão cautelar de réu ainda sem julgamento.

Além de Delcídio, o STF também autorizou a prisão do chefe de gabinete do senador e de um advogado. Também há autorização para buscas na casa do petista em Mato Grosso.

A decisão de Teori atende a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O ministro pediu que fosse convocada para a manhã desta quarta a realização de uma sessão extra da segunda turma do tribunal, que é responsável pelos casos que envolvem o esquema de corrupção da Petrobras. Na sessão , ele deve discutir as prisões.

Aplica-se para o caso o artigo 2º, § 1ª, da Lei 12.850, onde se diz que nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. A pena prevista é de reclusão, de três a oito anos e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações. Trata-se de crime contra a paz pública, assim como o crime de organização criminosa.

Devido ao caráter transnacional das organizações criminosas, a Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, aplica-se às infrações penais previstas em tratados ou convenções internacionais quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente, às organizações terroristas internacionais reconhecidas, segundo o direito internacional, lembrando que, até aqui, não há diploma penal, que, à luz do principio da legalidade, discipline sobre o crime de terrorismo.

A Lei 12.850 prevê assim tipo penal, no artigo 2º, um crime com relação a quem promova, constitua, financie ou integre pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, incorrendo, nas mesmas penas, quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva a organização criminosa.

Consiste o crime organizado, a teor do artigo 2º da Lei 12.850/12, nas ações de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa organização criminosa.

Analisemos o tipo penal disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei 12.850, que se aproxima do delito de fraude processual.

Impedir é opor-se a, estorvar, não permitir, barrar, dificultar, obstar, sustar, tolher.

Embaraçar é dificultar, trazer desordem, confusão, perturbar.

A palavra investigação deve ser interpretada de forma extensiva, para abranger, não apenas, a investigação que é estritamente considerada (investigação pela policia ou pelo Parquet), como ainda o próprio processo judicial, afastando-se a incidência do artigo 344 do Código Penal, que é a regra geral.

Assim o agente pode esconder, queimar documentos que possam comprovar a prática de crime de organização criminosa prevista na Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013.

A pena in abstrato prevista é de reclusão, de 3(três) a 8(oito) anos e multa, sem prejuízo de outras correspondentes.

Trata-se de tipo penal misto alternativo, regido pelo princípio da alternatividade(a realização de um só verbo já configura o crime, pois caso as duas condutas sejam praticadas no mesmo contexto fático, estaremos diante de um mesmo crime). Pode ser sujeito qualquer pessoa, sendo o crime comum, doloso, formal.

Para o crime organizado, tão importante como planejar, financiar, é garantir a impunidade dos seus atos, que pode acontecer: matando-se testemunhas, ameaçando-as, destruindo provas documentais e periciais.

Trata-se de crime de perigo abstrato, presumido pela norma que se contenta com a prática do fato e pressupõe ser ele perigoso e sobre o qual cabe tentativa.

É crime que envolve perigo coletivo, comum, uma vez que ficam expostos ao risco os interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas.

É ainda crime contra a administração da justiça, independente daqueles que na societatis delinquentium vierem a ser praticados, desde que sejam punidos com penas máximas superiores a quatro anos ou revelem o caráter transnacional, havendo concurso material entre tal crime e os que vierem a ser praticados pela organização criminosa. Saliente-se que os bens protegidos no crime organizado não se limitam à paz ou a tranquilidade pública, senão a própria preservação material das instituições.

Não haverá bis in idem com relação a qualificação dos crimes de roubo com emprego de arma e de organização criminosa com a majorante prevista no artigo 2º, § 2º, da Lei 12.850.

Uma vez que não ocorre o bis in idem, sendo o agente punido pelo crime de organização criminosa, há que se qualificar o crime praticado por seus integrantes em concurso de agentes, como se vê do roubo(artigo 157, II, CP).

Exige-se o dolo específico, envolvendo o acordo de vontade, um verdadeiro vínculo associativo.

No caso há um crime permanente razão pela qual se pode falar em flagrante delito. Necessário falar na prisão de parlamentar.

Tem-se da lição de José Afonso da Silva (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 535/536, item n. 15, 30ª ed., 2008, Malheiros):

“‘Quanto à prisão’, estatui-se que, salvo flagrante de crime inafiançável, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos dentro do período que vai desde a sua diplomação até o encerramento definitivo de seu mandato por qualquer motivo, incluindo a não reeleição. Podem, pois, ser presos nos casos de flagrante de crime inafiançável, mas, nesse caso, os autos serão remetidos, dentro de 24 horas, à Câmara respectiva, para que, pelo voto da maioria (absoluta) de seus membros, resolva sobre a prisão (art. 53, § 2º, EC-35/2001). Convém ponderar a respeito da questão da afiançabilidade de crime, hoje importante, diante do disposto no art. 5º, LXVI, segundo o qual ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Se o crime fora daqueles que admitem liberdade provisória, o tratamento a ser dado ao congressista há de ser idêntico ao dos crimes afiançáveis, ou seja: ‘vedada a prisão’.”

O crime permanente é o delito cuja consumação se prolonga com o tempo, dependente da atividade do agente que pode cessar quando este quiser(cárcere privado, sequestro, tráfico ilícito de entorpecentes). Enquanto não cessar a permanência, a prisão em flagrante poderá ser realizada em qualquer tempo(artigo 303, CPP).

Os parlamentares, segundo a Constituição, desde a diplomação “não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável” e, mesmo nesta hipótese, caberá à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal “resolver” sobre a manutenção ou não da prisão do parlamentar (art. 53, § 2º). Essa a redação dada à Constituição pela Emenda 35/2001.

O congressista, independente de licença prévia, poderá sofrer qualquer espécie de prisão penal, incluindo-se a prisão em flagrante, ou ainda por sentença penal condenatória.

Alerte-se que, para o caso, aplica-se, outrossim, o artigo 324, IV, do Código de Processo Penal, que determina que não será concedida fiança nos casos em que estejam presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva(artigo 312 do CPP), ou seja: para garantia da ordem pública, da conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Essa última hipótese deve ser devidamente analisada pelo Ministério Público, que, inclusive, poderá ser considerada nas razões para eventual afastamento da função do parlamentar (artigo 319, VI, do CPP).

Por fim, fica claro como um dia de sol que os crimes cometidos dentro da Petrobrás faziam parte de uma estrutura institucionalizada voltada para utilizá-la no sentido de espoliá-la permitindo a riqueza dos agentes políticos que ali se envolveram.

Só uma palavra para isso: vergonha.

Aplique-se a lei penal em nome da garantia da ordem pública