Delcídio e a patologia ética
Sob o título “Acima do bem e do mal!”, o artigo a seguir é de autoria de Edison Vicentini Barroso, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
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Ninguém está acima do bem e do mal, mesmo no Brasil. O senador petista Delcídio do Amaral, líder do governo no Senado, foi preso – por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF). Pego de calças curtas, flagrado em conversa altamente comprometedora, disse a que veio!
Há situações que, embora admitam defesa, são indefensáveis. É o caso. Segundo ministro do Tribunal, seu comportamento é ‘digno de integrante de máfia’. Basta se ouça do que gravado.
Não são só evidências de que o senador, com outros, tentava atrapalhar investigações da Operação Lava Jato, mas provas! Aqui, fala-se do que de fato o é, sem jogo de palavras.
No Brasil da era PT, a corrupção tornou-se epidêmica. Quase ninguém se salva. Onde se mexa, aparece a patologia ética, a inverter princípios e favorecer, a mais não poder, a indiscutível falta de vergonha. E o jogo de aparências começa a surgir. O horizonte próximo revela, sem meias palavras, do ‘nível’ dos implicados na grande trama da roubalheira da Nação.
“Na história recente da nossa pátria houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou no mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois nos deparamos com a ação penal 470 [mensalão] e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça. Aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão
entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes. Não passarão sobre a Constituição do Brasil.” Palavras da ministra Cármen Lúcia, do STF.
Imunidade parlamentar não é impunidade, já foi dito. Tudo tem limite, até a ação predatória dos salteadores da pátria. De cima a baixo, as coisas começam a aparecer. E a tendência é de que muito mais se descubra, pois, aparentemente, até aqui, só se nos deu a conhecer da ponta do iceberg.
Por outro lado, de lege ferenda (pela lei a ser feita), passou da hora de se modificar a sistemática da parte final do parágrafo segundo do artigo 53 da Constituição Federal, que, mesmo numa situação como a aqui enfocada, diante duma prisão juridicamente irretocável, transfere ao Congresso Nacional a decisão sobre a manutenção, ou não, da determinação do STF. Cabendo-lhe a última palavra, o parlamento se torna juiz dos juízes – do que aberrante e inconcebível!
A inviolabilidade dos parlamentares, civil e penal, por opiniões, palavras e votos, não haveria de se estender a casos de prisão em flagrante de crime inafiançável, sob pena de se admitir que, apesar de todas as provas, prevaleça juízo político/corporativo que, contrapondo-se à decisão unânime daquele Tribunal e a comezinhos princípios ético/morais, mande soltar a quem haveria de se manter preso – só porque deputado ou senador.
O artigo 5º da Constituição Federal diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Ora, sendo missão do Judiciário decidir soberanamente dessas questões, em caráter de exclusividade, não há justificativa lógica ao juízo de admissibilidade da prisão pelo Parlamento.
E isto nada tem a ver com independência dos Poderes, mas com a só adstrição da hipótese às funções constitucionais específicas do Judiciário. Em verdade, criou-se válvula de escape altamente conveniente – e só isto! – a interesses político/pessoais – a ponto de, eventualmente, nada valer prisão conscienciosamente determinada pelo mais alto tribunal do país.
Felizmente, no caso Delcídio, até por pressão popular (do que não se tem dúvida), a determinação do STF foi ‘referendada’ – estivéssemos num Brasil mais evoluído, institucionalmente mesmo, e, decerto, esse ‘referendo’ não existiria. Basta se veja do que sucede em países mais adiantados, de que exemplo os Estados Unidos da América, a sobrepairarem as decisões de sua Suprema Corte.
Todavia, a natureza não dá saltos. Assim, enquanto o parlamentar brasileiro não progrida minimamente, salvo raras e honrosas exceções, nos depararemos com esse tipo de distorção, que, antes de democrática, se afeiçoa destoante do sistema finalístico dos Poderes da República.
Rematando, cabe se diga que treze senadores votaram contra a manutenção da prisão de Delcídio do Amaral, dos quais, nove petistas – do que sintomático! Seus nomes estão estampados na grande imprensa e seria conveniente aos homens e mulheres deste País verificassem de quem se trata.
Muda, Brasil – urgentemente!