CNJ recua sobre acesso à informação e exige cadastro
Interessado em saber o salário dos juízes deverá se cadastrar nos tribunais. Ex-relator, Gilberto Martins vê retrocesso. Sucessor, conselheiro Arnaldo Hossepian, define decisão como “cidadania com responsabilidade”.
O Conselho Nacional de Justiça regulamentou nesta terça-feira (1) a Lei de Acesso à Informação nos tribunais, alterando a proposta que havia sido aprovada por um grupo de trabalho criado em 2012. Decisão tomada por maioria do colegiado exige o cadastramento prévio do interessado em conferir os valores pagos aos magistrados.
“Eu ainda não tive acesso à resolução aprovada, mas é um absurdo a exigência de identificação”, diz o ex-conselheiro Gilberto Martins, que presidia o grupo de trabalho formado pelos ex-conselheiros Saulo Casali, Rubens Curado, Luiza Cristina Frischeisen e Guilherme Calmon.
“O ministro Ricardo Lewandowski quer um Judiciário opaco”, diz Martins.
O conselheiro Arnaldo Hossepian, sucessor de Martins, diz que a decisão tomada “é o exercício da cidadania, pelo acesso à informação com responsabilidade”.
“Estabelecemos que a informação é automática, mas com responsabilidade. O cidadão exerce o direito de ter acesso. A página é aberta e o dado é resguardado. O cidadão vai entrar no sistema, dá o nome e documento. A informação fica arquivada”, diz Hossepian.
Ele diz que é uma forma de o Judiciário evitar o uso indevido da informação. “É absolutamente defensável”, diz o relator.
“Não há nada no sentido de obstar a informação. A resolução acaba com as rubricas. Será impossível pagar qualquer valor sem que o contribuinte saiba o que está sendo pago, tópico por tópico”, afirma Hossepian.
Votaram contra a necessidade de identificação os conselheiros Fernando Mattos (Juiz Federal), Daldice Santana (TRF-3), Gustavo Tadeu Alkmim (TRT-1) e Luiz Cláudio Silva Allemand (OAB).
“Com essa aprovação, demos um grande passo na garantia da transparência e da publicidade da gestão pública”, afirmou o presidente do CNJ durante a sessão.
O sistema aprovado pelo CNJ nesta terça-feira colide com a transparência adotada desde maio de 2012 pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal. Ela tomou a iniciativa de publicar mensalmente seu holerite nos sites do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo para cumprir a Lei de Acesso a Informação, que entrou em vigor naquele mês.
A ex-conselheira Luiza Frischeisen diz que a transparência ativa é um conceito relativo a tudo que deve estar exposto sem necessidade de requerimento. Para ela, exigir identificação é contornar tal obrigação. Teme-se que a exigência do login do cidadão dê margem a perseguições.
A Lei de Acesso à Informação [Lei 12.527/2011] prevê, em seu artigo 10º, que “qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades (…) por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida”.
O parágrafo 1º estabelece que “para o acesso a informações de interesse público, a identificação do requerente não pode conter exigências que inviabilizem a solicitação”.
O impasse em relação à regulamentação da lei para os tribunais veio à tona durante sessão do colegiado em maio deste ano, quando o ex-conselheiro Rubens Curado alertou sobre o risco de retrocesso. “Preocupa-me retomarmos uma discussão no rumo de uma involução”, disse. O tema estava aguardando ser colocado em pauta desde 2014.
Na ocasião, os debates foram suspensos com o pedido de vista da então conselheira Deborah Ciocci, juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo. O sucessor de Deborah, conselheiro Bruno Ronchetti, também do TJ-SP, propôs alterações no voto de Gilberto Martins, acolhidas por Hossepian.
“Como sucessor, fiquei com a elaboração do voto. O parágrafo segundo foi reconstruído. Eu tinha esse entendimento”, diz Hossepian.
Em maio, em sustentação oral no CNJ, o represente da Associação dos Magistrados Brasileiros, advogado Alberto Pavie Ribeiro, questionou dispositivo que trata da divulgação dos nomes de magistrados e servidores, “praticamente dando informações de caráter pessoal”.
Segundo o advogado, “as associações de magistrados entendem que é possível que haja publicidade dos valores recebidos pelos magistrados e servidores com a indicação, seja de números atribuídos a eles, seja de matrícula”.
“Isso permitiria certamente a verificação de recebimentos além do normal, permitiria que o Ministério Público verificasse se há recebimento extraordinário, que promovesse algum questionamento. Não impediria, de qualquer forma, a atuação da corregedoria local, da corregedoria nacional de Justiça, e mesmo dos órgãos de imprensa”, disse Ribeiro.
“Não vejo razão para retrocedermos”, disse na ocasião a conselheira Luiza Frischeisen. “O STF decidiu que não é ilegal, e a matrícula não resolve. Segundo ela, “a divulgação só pelo número da matrícula não resolve e vai aumentar o trabalho dos tribunais, porque os serviços de informação ao cidadão ficarão sobrecarregados”.
Gilberto Martins informou então aos conselheiros que o STF já publica os valores e os nomes de magistrados e servidores.
O conselheiro Rubens Curado fez um apelo para que o tema fosse retomado na sessão seguinte, pois “a sociedade brasileira espera essa deliberação do CNJ e nós não podemos nos furtar a ela”.
“Em julho de 2012, o CNJ se reuniu, no calor da aprovação da Lei de Acesso à Informação, e deliberou pela divulgação da remuneração com os nomes. Isso foi comemorado pela sociedade brasileira, todos os tribunais do Brasil hoje cumprem a determinação. Mas a Anamages [Associação Nacional dos Magistrados Estaduais] recorreu ao STF em mandado de segurança. O ministro Luiz Fux, que é o relator, indeferiu a liminar, dizendo expressamente que a resolução do CNJ reveste-se de legalidade, e disse também que a divulgação nominal da remuneração dos servidores públicos pela internet não viola o direito à intimidade ou privacidade”, relatou o conselheiro.
“Ou seja, o tema está no Supremo, com rejeição de liminar, e nós estamos aqui querendo invluir ou rediscutir algo que já foi discutido”, afirmou Curado.
O ministro Lewandowski afirmou que a matéria era complexa e que conselheira Ciocci tinha o direito ao pedido de vista.
“Essa matéria demorou tanto para ser discutida, o Poder Judiciário não está, digamos assim, descumprindo a Lei da Transparência por falta de resolução. Não há nenhuma pressa, uma semana a mais, uma semana a menos não causará nenhum prejuízo, seja ao CNJ, seja à magistratura. Acho oportuno ganharmos mais um pequeno tempo para decidirmos definitivamente essa matéria”, afirmou.
O conselheiro Saulo Casali antecipou o voto, acompanhando o relator Gilberto Martins.