Juízes contra impeachment de Dilma
A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) e a Associação Juízes para a Democracia (AJD) divulgaram notas públicas manifestando preocupação com a autorização do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
“Sem imputação pessoal específica e sem substrato material de crime de responsabilidade praticado pela chefe do Poder Executivo”, e “como estratégia de defesa do deputado Eduardo Cunha para contornar o risco de perder o mandato”, a abertura do processo “afronta preceitos constitucionais”, afirma Eugênio Couto Terra, presidente da Ajuris.
“Não se admite, em uma democracia plena, degenere-se o processo de impedimento em verdadeiro terceiro turno, uma sanção em busca de um culpado, uma pena na busca ávida por um pretexto que a legitime formalmente”, afirma a nota pública da AJD.
Eis a íntegra das manifestações:
AJURIS EM DEFESA DA DEMOCRACIA
A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS), reafirmando seu histórico compromisso institucional de defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito, manifesta profunda preocupação com o atual quadro institucional brasileiro, diante da autorização do processo de impeachment contra a Presidente da República.
A AJURIS tem a convicção de que o impeachment, embora constitucionalmente previsto, não se legitima pela desaprovação política da atuação e do desempenho do Governo pelo Congresso Nacional. Trata-se de procedimento vinculado à justa causa jurídica, nos termos do art. 85 da Constituição Federal.
Sem imputação pessoal específica e sem substrato material de crime de responsabilidade praticado pela chefe do Poder Executivo, como na situação atual, a abertura do processo de impedimento, em meio à intensa crise política e como estratégia de defesa do deputado Eduardo Cunha para contornar o risco de perder o próprio mandato parlamentar, afronta preceitos constitucionais referidos.
A AJURIS, por isso, espera que as forças políticas examinem o processo à luz dos princípios e das regras constitucionais e legais vigentes, democraticamente estabelecidas pela Constituinte de 1988, e com respeito à vontade popular majoritária manifestada nas urnas no processo eleitoral de 2014.
A AJURIS, por fim, exalta a atuação das instituições jurídicas, entre elas o Poder Judiciário, no combate à corrupção, e empenha esforços para a consolidação contínua do Estado Democrático de Direito, norteado pelo agir republicano e dos agentes públicos.
Eugênio Couto Terra
Presidente da AJURIS
Porto Alegre, 15 de dezembro de 2015.
NOTA PÚBLICA DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA CONTRA O PROCESSO DE IMPEACHMENT EM CURSO
A Associação Juízes para a Democracia, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre suas finalidades o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem a público manifestar extremada preocupação com o processo de impeachment contra a titular da Presidência da República, recentemente deflagrado na Câmara dos Deputados, nos seguintes termos:
A destituição de um Chefe do Poder Executivo, legitimamente eleito pelo sufrágio popular (art. 60, § 4°, II, da Constituição da República), consubstancia traumática disruptura institucional, ameaçando os alicerces de uma democracia ainda jovem e carente de aprofundamento e estabilidade plena, como é a existente no Brasil.
O processo de impeachment, por seu caráter de absoluta excepcionalidade, cabível apenas quando há provas incontestes de prática, pelo Presidente, de fato previsto no ordenamento como crime de responsabilidade, não pode se vulgarizar em instrumento rasteiro de disputas político-partidárias, permeado por interesses escusos, animado por sentimentos de vingança ou inconformismo com o legítimo resultado das urnas, ou mesmo de insatisfação com as decisões políticas do Governo.
Não se admite, em uma democracia plena, degenere-se o processo de impedimento em verdadeiro terceiro turno, uma sanção em busca de um culpado, uma pena na busca ávida por um pretexto que a legitime formalmente.
A distorção e a flexibilização dos graves e excepcionais requisitos para o processo de impeachment, de forma a que, com base em fundamentos meramente retóricos, alcancem as aspirações de grupos interessados em tomar o poder, constituem, em si mesmas, manobras que ofendem a Constituição e abrem perigosíssima via de acesso a práticas antidemocráticas e, por isso, autoritárias; um indesejável primeiro passo de retrocessos no árduo processo de consolidação de democracia, pelo qual tanto se lutou, iniciado com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Clama-se, então, ao Congresso Nacional que respeite a vontade dos eleitores externada pelo voto nas eleições presidenciais de 2014 e não desvirtue o processo de impeachment para um instrumento golpista, tal como ocorreu recentemente em outros países da América Latina; clama-se, por fim, ao Supremo Tribunal Federal, caso necessário, que perdure impedindo que, por meio de verdadeiros malabarismos hermenêuticos, o impeachment torne-se medida banal e incompatível com uma democracia fundada na vontade popular.
São Paulo, 18 de dezembro de 2015.
A Associação Juízes para a Democracia