Auxílio-moradia e vencimentos dos juízes

Frederico Vasconcelos

Sob o título “O governo contra-ataca“, o artigo a seguir é de autoria do Juiz Federal Nagibe de Melo Jorge Neto, diretor da Associação dos Juízes Federais da 5ª Região. (*)

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O governo da Presidente Dilma Rousseff se aproveitou da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016, sancionada no último dia 30 de dezembro, para atacar frontalmente o Poder Judiciário e o Ministério Público da União. Determinou amplo corte do auxílio-moradia recebido por juízes e procuradores da República.

A Lei é duplamente inconstitucional. A uma porque não se pode regulamentar matéria estranha ao orçamento nas leis orçamentárias. A duas porque a matéria é de iniciativa privativa do Supremo Tribunal Federal e do Procurador Geral da República. É bom lembrar que o Judiciário tem autonomia financeira e orçamentária. Disso depende a independência da magistratura.

O atentado ocorre no momento em que o Ministério Público e o Poder Judiciário endurecem as ações contra a corrupção, e muitos integrantes do governo e dos partidos que apoiam o governo são atingidos. Não haveria pior forma nem momento para tais cortes. Fica parecendo uma maquiavélica jogada política para enfraquecer a imagem do Poder Judiciário e do Ministério Público e diminuir seu poder de atuação.

Certamente o Supremo Tribunal será chamado a decidir sobre a constitucionalidade da Lei. Se julgar pela inconstitucionalidade, dirão que o STF está julgando com espírito corporativo e sem compromisso com o ajuste fiscal. Se julgar pela constitucionalidade, se estabelece um precedente perigosíssimo. A qualquer momento, o Executivo poderá enfiar a mão no bolso dos juízes e procuradores da República, justamente quem investiga e julga os casos de corrupção. De um modo ou de outro, juízes e procuradores serão atingidos.

Mas vejamos o que o auxílio-moradia realmente importa para o ajuste fiscal.

Em 2006, o subsídio dos ministros do STF era de R$ 24.500,00. Hoje, o subsídio é de R$ 33.763,00. No período, a inflação foi de 76,69% (IPCA), enquanto que os subsídios foram reajustados em apenas 37,80%. Mesmo acrescentando o valor do auxílio-moradia, fixado em R$ 4.377,73, o reajuste seria de apenas 55,68%. Ou seja, mesmo computando o auxílio-moradia, os subsídios ainda estão defasados em mais de 21%, em clara afronta ao que determina a Constituição da República.

Enquanto isso, mesmo com a crise, a Receita Corrente Líquida da União passou de R$ 344,7 bilhões em 2006 para R$ 663,5 bilhões nos últimos 12 meses terminados em outubro de 2015, inclusive; um aumento de 92,49%. Mas não é só. O governo enviou ao Congresso Nacional, no mesmo dia 30 de dezembro, projeto de lei que reajusta os subsídios dos advogados públicos em cerca de 20% nos próximos 3 anos; regulamenta o recebimento de honorários advocatícios e permite que os advogados públicos exerçam advocacia privada.

Nada mal para quem já ganha subsídios compatíveis com os de juízes e procuradores da República. O advogados públicos passarão a receber, a partir de agosto, pelo menos R$ 3.000,00 a título de honorários advocatícios, o que representa, só aí, um aumento de cerca de 15% . Onde está o ajuste?

O governo corta os vencimentos dos juízes em um momento particularmente delicado. Janeiro, todo mundo às voltas com os pagamentos de matrículas dos filhos, material escolar, IPTU, IPVA e todos os demais encargos do começo do ano. O governo sabe onde apertar e aperta com força, mas os métodos não são lá os melhores, nem os mais democráticos. Tudo isso indica de que planejamento, diálogo e respeito pelos demais Poderes da República esse governo é capaz.

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(*) Nagibe de Melo Jorge Neto é professor e autor do livro “Sentença Cível: teoria e prática”.