O Supremo e a crueldade contra os animais
Espera-se que o Supremo Tribunal Federal encontre espaço em 2016 para julgar –além de temas como o impeachment de Dilma Rousseff e o assalto aos cofres públicos na Lava Jato e no Petrolão– a violência contra bovinos e equinos, alvo de maus tratos nas disputas de vaquejadas.
O processo não é novo e envolve fortes interesses políticos e econômicos. (*)
Em 2013, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, propôs ação para que o STF considere inconstitucional uma lei do Estado do Ceará que regulamenta a vaquejada como prática desportiva e cultural.
Janot considera a vaquejada uma “prática inconstitucional, ainda que realizada em contexto cultural”. A vaquejada consiste na tentativa de uma dupla de vaqueiros derrubar um touro puxando-o pelo rabo, dentro de uma área demarcada.
As entidades de proteção aos animais lembram que o Supremo já julgou inconstitucionais a “farra do boi”, em Santa Catarina, e as brigas de galo, no Rio de Janeiro.
Mas, até agora, os bovinos e equinos estão perdendo a disputa –por dois votos a um.
Os interesses econômicos envolvidos estão evidentes com a participação no processo da Associação Brasileira de Vaquejada (ABVAQ) –na qualidade de amicus curiae. A entidade é representada por dez advogados, liderados por Antônio Carlos de Almeida Castro, o “Kakay”.
Em agosto de 2015, o relator, ministro Marco Aurélio, votou pela procedência do pedido de Janot, “para declarar inconstitucional a Lei nº 15.299, de 8 de janeiro de 2013, do Estado do Ceará”.
O ministro considerou que “a crueldade intrínseca à vaquejada não permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da Carta de 1988”. Segundo Marco Aurélio, está em descompasso com a Constituição “o tratamento cruel dispensado às espécies animais envolvidas”.
Ele se refere ao “ato repentino e violento de tracionar o touro pelo rabo, assim como a verdadeira tortura prévia –-inclusive por meio de estocadas de choques elétricos-– à qual é submetido o animal, para que saia do estado de mansidão e dispare em fuga a fim de viabilizar a perseguição”.
O ministro Edson Fachin abriu divergência. “É preciso despir-se de eventual visão unilateral de uma sociedade eminentemente urbana com produção e acesso a outras manifestações culturais, para se alargar o olhar e alcançar essa outra realidade”, afirmou em seu voto.
Fachin entende que, “sendo a vaquejada manifestação cultural, encontra proteção expressa na Constituição”. “E não há razão para se proibir o evento e a competição, que reproduzem e avaliam tecnicamente atividade de captura própria de trabalho de vaqueiros e peões desenvolvidos na zona rural desse país. Ao contrário, tal atividade constitui-se modo de criar, fazer e viver da população sertaneja”, concluiu.
Ao adiantar o voto, o ministro Gilmar Mendes seguiu o entendimento de Fachin, julgando improcedente a ação. Em seguida, o ministro Roberto Barroso pediu vista dos autos.
O então governador do Ceará, Cid Gomes, informou ao STF que a lei questionada “em momento algum permite ou legaliza tais atrocidades, ao contrário, determina como obrigação a adoção de medidas que protejam a integridade física e a saúde dos animais, estabelecendo, por sua vez, sanções ao seu descumprimento”.
Segundo o ex-governador, “não se pode desconsiderar o fato de que a prática da vaquejada, além de reconhecida pela Lei Federal nº 10.220/2001, é um elemento difícil de extirpar da nossa cultura”.
“Deixar uma prática tão tradicional, que faz parte da cultura do nordestino de maneira tão arraigada, ao léu, sem regulamentação ou mesmo proibida, só trará mais malefícios do que benefícios”, diz Gomes.
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