Democracia e legalidade do impeachment

Frederico Vasconcelos

Sob o título “A ótica distorcida do presidente da Associação Juízes para a Democracia sobre a legalidade do impeachment e o exercício da democracia!”, o artigo a seguir é de autoria de Edison Vicentini Barroso, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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Em resposta à nota divulgada por magistrados de todo o país – cerca de 800 signatários, de diferentes instâncias e tribunais –, no sentido de deslegitimar manifestações da Ajuris (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul) e da AJD (Associação Juízes para a Democracia) como representativas de toda a categoria, André Augusto Salvador Bezerra, presidente desta última, destacou: ‘Essa lista não deixa de refletir a divergência que se dá no mundo jurídico como um todo sobre a legalidade ou não do processo de impeachment.’

Continua: ‘Nos últimos tempos, e isso também tem se refletido em alguns setores mais conservadores da magistratura, tem crescido um sentimento de repúdio à democracia no país, basta ver alguns manifestantes pedindo a volta do regime militar. Então, a divergência é sinal de que ainda temos democracia.’

Decerto, aquele se considera o suprassumo, a quinta-essência do democrata – capacitado a ditar regras e a apontar, sem sombra de dúvida, quais os juízes que eventualmente repudiem a democracia! Disso se vê pela visão distorcida revelada.

Em primeiro lugar, ao que consta, inexiste divergência jurídica sobre ser legal o processo de impeachment. A nota dos oitocentos – doravante, assim chamá-los-ei, também na qualidade dum dos subscritores! – foi claríssima, a não permitir equívoco ou indefinição – literalmente:

‘O impeachment tem previsão constitucional, não podendo, em hipótese alguma, ser classificado como ilegal ou ilegítimo.’

Ora, seriamente, não se pode apartar do entendimento de que o que está na Constituição Federal é legal – sob pena de subversão a comezinhos princípios de Direito! E não será um movimento minoritário de juízes, embora sob a capa da titulação democrática, que, validamente, dirá o contrário.

Legalidade e democracia não se confundem, respectivamente, com descumprimento da Constituição e bagunça! Não me cabe ser preceptor doutro juiz, ensinando-lhe o exato sentido daquelas expressões! Basta-me o fato de que a figura do impeachment tem previsão constitucional; portanto, é legal – sem qualquer divergência ou contestação!

Se a lei não é boa, que se mude a lei!

Em segundo lugar, os oitocentos não se consideram – disto tenho certeza! – contrários a mudanças, para melhor, das instituições e dos princípios que hão regido a República Federativa do Brasil – desde que, à evidência, fundados em aspectos ético/morais inquebrantáveis. Além do que, possível entendimento conservador não equivale, necessariamente, a sentimento de repúdio à democracia no país. Aqui, grave o engano!

Pior: como subsídio de argumentação, o presidente da AJD traz à baila a questão da volta ao regime militar, como se os que pensam dele diferente – e como pensamos! – a este aderissem, manifestada aversão à democracia.

Por outro lado, a só divergência de entendimentos, sem o adminículo do indispensável respeito às opiniões alheias e à legalidade plena, não equivale à democracia. Esta só existe, efetivamente, onde prevaleça o Estado de Direito, observadas das diretrizes constitucionais.

Surge, a este passo, a pergunta que não quer calar: Encaixamo-nos, os 800, no rol daqueles que, segundo a apurada competência do presidente daquela Associação de pretensos democratas, repudiam a democracia? Mas donde vem sua autoridade para dizer-se democrata e a outros não?

Excelentíssimo senhor presidente da AJD, sem mais delonga, afianço-lhe que o processo de impeachment é legal (não fosse assim e o STF já o teria dito!) e que existem muito mais democratas na magistratura brasileira do que possa supor seu vão discernimento. Enfim, que, ao tentar responder à nota dissonante dos 800, a emenda ficou muito pior que o soneto!