“Clara injustiça no Estado Democrático de Direito”

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Uma nova interpretação do STF com relação a execução provisória da pena”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e Procurador Regional da República aposentado.

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Em texto publicado na edição do dia 29 de março de 2015, no “Estado de S. Paulo”, o juiz responsável pela Operação “Lava Jato” e o presidente da Associação dos Juízes Federais(AJUFE) propõem que o réu condenado em primeira instância fique preso até a análise dos recursos.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 84.078 – MG, decisão publicada no DJ em 26 de fevereiro de 2010, afastou a possibilidade de execução provisória da pena, na pendência de recurso especial ou de recurso extraordinária.

A partir da decisão referenciada, as prisões, na pendência de recursos da via extraordinária(especial e extraordinário) reclamam a devida fundamentação acautelatória.

Sabe-se que esses recursos são recebidos apenas no efeito devolutivo e não suspensivo.

Desse modo, a regra há de ser a proibição da execução provisória mantida, então, a abertura para a sua excepcional exceção, enquanto a Constituição garantir a proibição de tratamento de culpado àquele ainda não definitivamente condenado(artigo 5º, LVII).

O artigo 105 da Lei de Execuções Penais determina que ¨transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.¨

Necessário atender que o princípio da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário, como se lê de julgamento do Supremo Tribunal Federal, no HC 80.719-4/SP, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 28 de setembro de 2001. A decisão citada se amolda a outra no HC 88.174/SP, Relator para o acórdão o Ministro Eros Grau, onde se diz que a prisão sem fundamento cautelar, antes de transitada em julgado a condenação, consubstancia execução antecipada da pena, violando o artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

Destacam-se diversos julgamentos nesse sentido, da parte do Superior Tribunal de Justiça, como se lê do HC 73.578/RS, DJ de 15 de outubro de 2007, dentre outros.

Conclusivos, na matéria, os fundamentos trazidos no julgamento do RHC 93.172/SP, Relatora Ministra Cármen Lúcia, 12 de fevereiro de 2009, Informativo 535, 9 a 13 de fevereiro de 2009.

Afirma-se que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar. Isso porque a ampla defesa englobaria todas as fases processuais, razão por que a execução da sentença após o julgamento da apelação implica na restrição do direito da defesa, com desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão.

Discute-se se é possível a execução provisória de sentença de primeiro grau diante de ajuizamento de recurso de apelação.

A apelação é o recurso interposto da sentença definitiva, ou com força de definitiva, para a segunda instância, com o fim de que esta proceda a novo exame do assunto, apreciando toda a matéria decidida e, assim, modificar, total ou parcialmente, a decisão.

A doutrina pontua que o recurso de apelação permite uma maior amplitude quanto a matéria impugnável, devolvendo ao tribunal toda a matéria de fato e de direito, na linha do que temos o tantum devolutum quantum appellatum, o efeito devolutivo, nos limites da impugnação, respeitado tanto a extensão como a profundidade do recurso.

Ora, com o devido respeito, seria um absurdo jurídico, diante dos limites amplos de cognição do recurso de apelação, possibilitar a execução provisória de sentença, pendente tal remédio recursal. Isso porque o raciocínio apresentado no artigo noticiado fere o princípio da presunção de inocência que se apresenta como cláusula pétrea, não podendo ser objeto sequer de reforma constitucional.

O princípio da presunção de inocência é uma projeção do Estado Democrático, que se conecta com outros corolários, tais como o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, o in dubio pro reo e a nulla poena sine culpa.

Pensar de forma diversa é aderir a possibilidade de adotar a presunção de fatos, em limitação de provas, mitigando um recurso, essencial para o Estado de Direito, que é o de apelação.

A regra é receber o recurso de apelação no duplo efeito: devolutivo e suspensivo, a não ser que os pressupostos da prisão preventiva, expostos no artigo 312 do Código de Processo Penal, estejam presentes.

Mas o Supremo Tribunal Federal deu uma verdadeira guinada na interpretação com relação a chamada execução provisória da pena.

Na sessão do dia 17 de fevereiro do 2016, por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu pedido de Habeas Corpus (HC 126292) e decidiu pela possibilidade do cumprimento da sentença condenatória após o julgamento de apelação. No caso em análise, a Corte entendeu válido ato do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que, ao negar recurso da defesa, determinou o início da execução da pena imposta a um condenado por roubo qualificado.

O entendimento firmado nesse julgamento altera a jurisprudência da Corte sobre a matéria, que condicionava a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação, mas ressalvava a possibilidade de prisão preventiva.

O voto do relator do HC, ministro Teori Zavascki, foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.

De acordo com o relator, a manutenção da sentença condenatória pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado. Eventuais recursos cabíveis ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo restringem-se à análise de questões de direito.

Até então, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal condicionava a execução da sentença penal ao trânsito em julgado da condenação, ressalvando a possibilidade de prisão provisória, prisão preventiva, concedida nos exatos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Certamente muitos irão verdadeiramente sofrer, no inferno dantesco do sistema penitenciário brasileiro, entre a condenação em segunda instância, por pena privativa de liberdade, até o provimento de eventual recurso especial ou extraordinário, o que significa uma clara injustiça no Estado Democrático de Direito.

Rasgar o princípio da presunção de inocência é homenagear um Estado ditatorial, o que significa uma verdadeira afronta ao Estado Democrático de Direito.