O Supremo e a semana que ainda não terminou
Sob o título “O STF e as decisões da semana“, o artigo a seguir é de autoria de Gilberto Valente Martins, Promotor de Justiça, Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra e ex-Conselheiro do CNJ.
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Na semana passada, a sociedade brasileira assistiu a marcantes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Embora não diga respeito diretamente à Operação Lava Jato, decerto que por ela foram influenciadas, como também irão influir, sensivelmente, nos seus desdobramentos.
A primeira, e mais polvorosa, se deu no julgamento do HC 126292/SP, em que o Supremo, para alguns juristas, opta por uma verdadeira “mudança de rumo” na sua interpretação daquilo que é o chamado “princípio da presunção de inocência”.
Porém, antes de falar um pouco sobre essa “guinada”, é importante registrar ainda a decisão do Ministro Fux, que enfrentou a questão do nepotismo na administração, especificamente para nomeações em cargos políticos. Estranhamente, imperava até então o entendimento de que não se aplicava a estas nomeações as restrições impostas ao Poder Judiciário, decorrente da súmula vinculante n.º 13 do STF.
Revendo decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, o STF autorizou que o Ministério Público prossiga com a ação civil pública que objetiva rever atos violadores ao princípio da moralidade pública. Reconhece que as regras da citada súmula não excluem qualquer ente do Estado, ao prever que: “nenhuma autoridade pode nomear para cargo em comissão, designar para função de confiança, nem contratar cônjuge, companheiro ou parente seu, até o terceiro grau, inclusive (…)”
Mais uma conquista da sociedade, sem dúvida.
Outra decisão, igualmente merecedora de registro, diz respeito à relativização do sigilo de dados bancários. A linha seguida autoriza que a Receita Federal possa ter acesso facilitado a estas informações. Com isso, permitirá ao órgão fazendário fazer cruzamentos e conferências relacionadas a atividade tributária, o que, indubitavelmente, restringirá a chamada evasão fiscal e poderá colaborar na identificação de crimes de lavagem de dinheiro e ocultações de bens.
Entendo, porém, que a mais importante das decisões e que tem provocado maiores comentários da classe jurídica e da sociedade civil como um todo, diz respeito à possibilidade de início da execução de pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau.
Insurgindo contra o novo entendimento, além de algumas instituições da classe dos advogados, juristas e acadêmicos apontam um certo grau de ativismo judicial.
O princípio da presunção de inocência vem passando por permanente processo de evolução no curso da História. Registram-se, por exemplo, os tratados internacionais como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1791 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que assegura: “todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido comprovada de acordo com a lei, sem julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.
No Brasil, após a Constituição de 1988, com base neste princípio, chegou-se a defender, absurdamente, a extinção das medidas provisórias, como a prisão em flagrante e a preventiva, que são levadas a efeito no curso de uma investigação penal.
Os críticos da nova orientação do STF não se dão conta de que esta linha de entendimento vem sendo construída faz algum tempo. Citamos, por exemplo, as palavras do Ministro Néri da Silveira ao asseverar, em 1991 (HC 68726), que o princípio em apreço “não impede a prisão decorrente de acórdão que, em apelação, confirmou a sentença penal condenatória recorrível”. Poder-se-ia citar ainda vários outros exemplos, conforme fez, aliás, o relator do caso Min. Teori Zavascki.
Importante relembrar, neste contexto, da alcunhada Lei da Ficha Limpa, ao estabelecer a inelegibilidade para aqueles que tiverem sido condenados em órgãos colegiados, em atos de improbidade ou em algumas modalidades criminosas. Sobre o crivo do controle de constitucionalidade, o STF declarou inexistir violação a qualquer preceito fundamental em suas disposições.
No julgamento do dia 17, do voto do relator, o que mais deve merecer atenção é a citação da pesquisa de Mônica Nicida, Fábio Gusman e Luiza Frischeisen, esta última com quem tive a honra de trabalhar por dois anos no Conselho Nacional de Justiça. De forma abreviada, nota-se que o estudo revela que países como Inglaterra, EUA, Canadá, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina, embora inserido em seus ordenamentos jurídicos o princípio da presunção de inocência, não exigem o trânsito em julgado das decisões condenatórias para levar o condenado para a prisão.
Alguns destes países podem até permitir que, pendente de recurso, uma decisão de tribunal não importe a privação da liberdade do condenado. Porém, sempre, com pagamento de fiança em valores elevados, como nos EUA. Porém, jamais em crimes graves, violentos ou extremamente danosos para a sociedade, que esgarçam o tecido social.
A regra é aguardar o julgamento dos recursos cumprindo a pena, como se vê, mesmo em países com um grau de segurança pública infinitamente melhor que a do Brasil e que não estão mergulhados em uma corrupção endêmica como a vivenciada hoje.
De resto, vale dizer que a decisão do STF vem em bom momento, dando instrumentos ao Poder Judiciário passíveis de resgatar a credibilidade nas instituições e fazer valer o direito.