Lava Jato: uma releitura da carta dos 105 advogados
Debate sob o título “O Brasil depois da Lava Jato“, publicado pelo jornal “Valor” na edição da última sexta-feira (11), permite uma releitura de questões controvertidas da carta pública assinada em janeiro por 105 advogados –muitos deles defensores de réus da Lava Jato.
Com fortes críticas à atuação da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do Judiciário, o manifesto foi antecipado por este Blog.
A mesa-redonda foi conduzida pela jornalista Maria Cristina Fernandes e também participaram do debate os editores César Felício e Robson Borges. Foram convidados o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, o advogado Pierpaolo Cruz Bottini (que defende Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa e réu da Lava Jato) e o professor de direito penal da USP de Ribeirão Preto Víctor Gabriel Rodriguez.
O Blog reproduz a seguir dois trechos do manifesto dos advogados que tratam de aspectos polêmicos analisados na mesa-redonda [grifos nossos]:
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A operação Lava Jato se transformou numa Justiça à parte. Uma especiosa Justiça que se orienta pela tônica de que os fins justificam os meios, o que representa um retrocesso histórico de vários séculos, com a supressão de garantias e direitos duramente conquistados, sem os quais o que sobra é um simulacro de processo; enfim, uma tentativa de justiçamento, como não se via nem mesmo na época da ditadura.
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É de todo inaceitável, numa Justiça que se pretenda democrática, que a prisão provisória (ou a ameaça de sua implementação) seja indisfarçavelmente utilizada para forçar a celebração de acordos de delação premiada, como, aliás, já defenderam publicamente alguns Procuradores que atuam no caso.
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Valor: Na carta dos advogados da Lava Jato, a força-tarefa foi acusada de fazer judiciamento como na ditadura. O senhor concorda? Por que não assinou a carta?
Pierpaolo Cruz Bottini: Estava fora do país e fiquei sabendo depois.
Valor: O senhor teria assinado?
Pierpaolo Cruz Bottini: Fico incomodado quando se diz que é um manifesto que defende o interesse das empreiteiras. Se é assinado por advogados das empreiteiras, é evidente que não vai ser contra. Acho que é legítimo e democrático. Não tem problema fazer esse debate fora dos autos, até porque muitas vezes o juiz acaba falando um pouco mais do que deveria nos autos, faz parte do debate. Não sei se assinaria ou não o manifesto, mas não critico quem o fez. Não acho que, para discutir esses temas de direito, a gente tenha que se atrelar à opinião pública. Quando a gente fala em direito, a gente tem que se atrelar à opinião pública. Quando a gente fala em direito penal, a opinião pública tende a ser agressiva, autoritária até. Basta fazer uma pesquisa sobre pena de morte ou tortura. Por isso, o papel do STF, pelo fato de não ser eleito e não ter dependência de legitimidade democrática, é ser contramajoritário. As decisões judiciais não têm que ser atreladas à opinião pública, mas à Constituição.
Valor: O senhor acha que há uma tentativa de justiçamento pior do que na ditadura?
Pierpaolo Cruz Bottini: Não acho que deveríamos relacionar com a ditadura, mas os excessos têm que ser discutidos independentemente do que pensa a opinião pública. Você está num Estado democrático de direito quando, se alguém bater à sua porta às 6 horas, você sabe que é o leiteiro e não a polícia.
Víctor Gabriel Rodriguez: Pode até haver injustiças e estranhamento com o rigor excessivo, mas não é ditadura. A carta foi feita por quem representa determinados interesses e, se isso é expresso, não tem problema.
José Robalinho Cavalcanti: São advogados que merecem respeito e têm direito de manifestar sua opinião, mas acho que, tanto em tom quanto em conteúdo, estão equivocados. A comparação com a ditadura é indevida. O que caracterizava a ditadura não era o sujeito bater à sua porte às 6 horas. Era bater à sua porta sem base em lei, sem ordem de juiz, sem processo. Nada semelhante ao que está acontecendo agora. O Judiciário brasileiro é técnico, com juízes concursados, bem preparados, independentes como em poucos países no mundo. O juiz decidiu, está decidido. O que cabe é o próprio Judiciário recorrer e tentar derrubar, numa discussão normal, democrática, com ampla defesa. Se existe um processo em que se exercitou o contraditório de maneira completa no país, é a Lava Jato.
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Valor: Que balanço fazem da delação premiada na Lava Jato?
Pierpaolo Cruz Bottini: Não sou ideologicamente contra a delação. É instrumento importante, previsto em lei, e portanto uma parte significativa do sucesso da Lava Jato veio das colaborações.
Valor: Alguns dos seus clientes fizeram…
Pierpaolo Cruz Bottini: Sim, mas já defendia a colaboração antes. Sempre me manifestei a favor, desde quando estive no Ministério da Justiça. Não vejo problema, desde que prevista em lei. É que, quando a gente fala em delação, remete ao colaborador da ditadura militar, ao cabo Anselmo.