“Não tem independência membro do Ministério Público que se vincula a governos”

Frederico Vasconcelos

Sob o título “O STF salvou o Ministério Público do próprio Ministério Público“, o artigo a seguir é de autoria de Rodrigo Sousa de Albuquerque, Subcorregedor-Geral do Ministério Público de Minas Gerais. (*)

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Na última quarta-feira o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão reconhecendo a vedação constitucional aos membros do Ministério Público em ocupar outros cargos públicos, exceto um de professor. Para muitos isso significou somente a impossibilidade do nome indicado pelo planalto em assumir o Ministério da Justiça, ao menos até se desligar da carreira do Ministério Público.

No âmbito interno do Ministério Público brasileiro o impacto foi bem mais profundo e para a maior parte de suas lideranças este impacto foi negativo. Calculam que a perda dessa interface com o executivo, a impossibilidade de ocupar cargos em secretarias de estado, por exemplo, diminui a influência no espaço político e torna a instituição mais vulnerável a ataques e reformas legislativas que podem desfigurar o retrato constitucional conferido ao Ministério Público em 1988. Enfim, a decisão teria fragilizado o Ministério Público.

Parece-me exatamente o contrário. As vedações aos membros do Ministério Público são as mesmas conferidas aos membros da Magistratura. Tais vedações, entre elas exercer outra função pública e atividade político-partidária, são fundamentais para “concretizar a independência funcional do Ministério Público”, como apontou o Ministro Gilmar Mendes em seu voto, “são orientadas a fortificar a instituição”.

De fato, por mais relevantes que sejam os cargos de ministro ou secretário de estado, são posições subordinadas a governantes. Mas ao Ministério Público compete a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, valores que não raras vezes são maculados por governantes. Para se desincumbir de suas importantes obrigações, o constituinte conferiu aos membros do Ministério Público garantias como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio. No mesmo artigo que conferiu tais importantes e imprescindíveis garantias conferiu também as vedações, a meu sentir tão importantes e imprescindíveis quanto àquelas.

Temos pois que garantias e vedações são dois lados de uma mesma moeda e o Ministério Público brasileiro não pode ser independente se abrir mão de qualquer delas.

Afinal, não tem independência o membro do Ministério Público que se vincula a governos em posição de servi-los, como é o caso de ministros e secretários de estado. Nos dizeres do voto proferido pelo Ministro Luís Roberto Barroso, “quem tem os poderes que o Ministério Público tem, não pode estar ligado às políticas de governo”. Aponta ainda o Ministro Barroso que “quem exerce função de Estado, como o Ministério Público, não deve exercer função de governo”. Todos os dez ministros do Supremo Tribunal Federal que reconheceram a vedação firmaram a independência e autonomia do Ministério Público.

Diferente do que pensam muitos de dentro do Ministério Público, a decisão de quarta-feira do Supremo Tribunal Federal não o fragilizou. Frágil é o Ministério Público que se apega às suas garantias e faz pouco caso de suas vedações, sem perceber que o dia em que não tiver vedações será a véspera do dia que não terá garantias.

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(*) O autor integrou por duas vezes o Conselho Superior do Ministério Público de Minas Gerais