Divergências sobre a nomeação de Lula
Sob o título “A nomeação de Lula“, o artigo a seguir é de autoria dos advogados Márcio Cammarosano e Luiz Tarcísio Ferreira, professores de Direito Constitucional da PUC/SP.
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A nomeação do ex-Presidente Lula, como Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República, tem ensejado divergências de opinião quanto à sua validade.
O que não tem faltado são manifestações exacerbadas de quem se põe contra a nomeação ou a favor dela, movidos por paixões político-partidárias, ou radicalizações dos que se opõem ou apoiam o governo, a Presidente Dilma e o próprio ex-Presidente recém nomeado.
A nós, estudiosos do Direito, impõe-se apreciação serena da nomeação, orientados apenas pelo que consideramos juridicamente relevante e, assim, em face do direito posto e das circunstâncias do caso concreto. Mesmo assim, a possibilidade de divergências quanto à validade ou não da nomeação considerada é inafastável.
Os que têm sustentado a invalidade da nomeação o fazem desenvolvendo dois argumentos: a) trata-se de nomeação eivado de desvio de finalidade, já que destinada, em rigor, a livrar o ex-Presidente de ser investigado, processado e julgado, como qualquer outro cidadão, respondendo criminal e inicialmente perante juízo de primeira instância e só posteriormente, por força de recursos cabíveis, perante instâncias superiores. Destarte, o ex-Presidente ficaria a salvo de ser processado e a final julgado pelo juiz federal Sergio Moro, de Curitiba, que granjeou fama como implacável combatente contra corruptos. Nomeado Ministro, o ex-Presidente passa a beneficiar-se da prerrogativa de ser, a final, processado e julgado apenas pelo Supremo Tribunal Federal; b) O ato de nomeação, expedido com esse escopo, seria também inválido por ofensa ao princípio da moralidade.
A nosso ver, nenhum dos argumentos procede, o que em nada compromete nossa convicção de que numa República não há intocáveis, observado o devido processo legal.
Não obstante se diga que a nomeação do ex-Presidente como Ministro tenha a finalidade de beneficiá-lo com foro privilegiado, o fato é que a nomeação teve como finalidade declarada tentar reverter a crise política e econômica que se abate sobre o país. E para esse efeito o ex-Presidente seria o mais indicado em razão de sua liderança política e experiência adquirida no exercício da Presidência ao longo de dois mandatos consecutivos. Essa declaração parece corroborada com a nomeação de Lula para um dos ministérios mais importantes da República, de sorte que o nomeado exercerá atribuições da maior relevância. Destarte, ainda que tenha pesado para a nomeação, também o efeito jurídico do ato em termos de prerrogativa de foro, não se trata de privilégio inconstitucional, nem implica imunidade. Assim sendo, também não cabe cogitar de obstrução à atuação da Justiça, agora de competência do STF. E o STF tem se mostrado implacável diante de comprovada corrupção.
Já quanto à suposta ofensa ao princípio da moralidade administrativa, não se pode ignorar que se trata de moralidade jurídica, que só se tem como violada em face de ofensa a valores morais juridicizados, e como juridicizados. No caso, a ofensa à moralidade administrativa, ensejadora de propositura de ação popular, se confundiria com o desvio de finalidade, que entendemos inexistente, sem embargo do respeito devido aos que professam entendimento diverso.