Sobre a condenação e a cassação de Ivo Cassol

Frederico Vasconcelos

Sob o título “A condenação penal de parlamentar e a perda de mandato”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.

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Ivo CassolO plenário do Supremo Tribunal Federal deve analisar na próxima quinta-feira (31) embargos de declaração, com pedido de efeitos infringentes, opostos pelo senador Ivo Cassol contra condenação imposta pela Corte em 2013. O recurso, que impede o cumprimento da pena de 4 anos, 8 meses e 26 dias de detenção em regime semiaberto, está na pauta do plenário.

O parlamentar foi o primeiro senador condenado pelo Supremo desde a vigência da Constituição Federal de 1988 e poderá ser o primeiro preso para cumprir sentença.

Cassol foi condenado, por unanimidade, pelo crime de fraude a licitações ocorridas quando foi prefeito da cidade de Rolim de Moura (RO), entre 1998 e 2002.

O recurso busca a apreciação de “questões incidentais de prejudicialidade, condições do Recurso cabível à defesa, do trânsito em julgado, da causa de interrupção da prescrição inexistente da norma legal e a definição do início do prazo para a defesa”.

Discute-se a questão da cassação diante da condenação penal de parlamentar.

Cassação é a decretação da perda de mandato, por ter o seu titular incorrido em falta funcional definida em lei e punida com esta sanção. Extinção do mandato é o perecimento do mandato pela ocorrência de fato ou ato que torne automaticamente inexistente a investidura eletiva, tal como a morte, a renúncia, por exemplo.

Os casos de cassação de mandato de Parlamentar estão previstos no artigo 55, I, II e VI, que dependem de decisão da Câmara dos Deputados, no caso de Deputado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante a provocação da respectiva Mesa ou de Partido Político representado no Congresso Nacional assegurada a ampla defesa. Aqui a decisão é constitutiva. Será o caso da infração a qualquer das proibições estabelecidas no artigo 54 da Constituição; de procedimento incompatível com o decoro parlamentar e ainda, no caso em estudo, quando sofrer o Deputado Federal condenação criminal em sentença transitada em julgado.

Observo a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 2, 2/57, 1991, Saraiva), para quem o procedimento previsto reclama provocação da respectiva Mesa, ou de partido político representado no Congresso Nacional. Assim importa em contraditório que assegure ao interessado uma ampla defesa, que redunda em decisão a ser tomada pela casa respectiva, numa votação secreta, que só determina a perda do mandato se a tanto for favorável a maioria absoluta dos integrantes da Câmara. Assim a Casa julga a conduta do interessado, podendo recusar a perda do mandato se entender essa conduta justificada, no caso concreto.

Assim há quem entenda que a cassação do parlamentar é matéria de reserva do Poder Legislativo.

Os casos do artigo 55, III, IV e V, são de simples extinção do mandato, de modo que a declaração pela Mesa da perda deste é meramente declaratória, envolvendo o mero reconhecimento da ocorrência do fato.

Veja-se que a hipótese não é de mera decisão declaratória, mas constitutiva, pois envolve cassação e não simples extinção do mandato, que incide nas hipóteses do Parlamentar deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos na Lei.

No passado, no julgamento do Recurso Extraordinário 179.502, o Ministro Moreira Alves entendeu que, enquanto estiver no exercício do mandato, a condenação criminal, por si só, e ainda que transitada em julgado, não implica a suspensão dos direitos políticos, só ocorrendo tal se a perda do mandato vier a ser decretada pela Casa a que o parlamentar pertencer.

Naquela decisão, em voto lapidar, o Ministro Marco Aurélio, diante do disposto do artigo 55, VI (Perderá o mandato o Deputado ou Senador, que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado), perguntava: Neste caso, é automática a perda do mandato? È uma perda de mandato simplesmente homologada pela Mesa da Casa? Não. Prosseguia o Ministro Marco Aurélio, pedindo que se atentasse que o processo-crime depende da licença da Casa a que esteja integrado o parlamentar. Concedida, responde ele a processo como cidadão comum. Era o cenário, observando-se a redação que foi trazida ao artigo 53 da Constituição Federal pela Emenda 35.

Nesse raciocínio aplicar-se-ia como efeito político da condenação penal a perda de mandato eletivo nas hipóteses previstas no artigo 92, I, ¨a¨ e ¨b¨, do Código Penal.

Sabe-se que o mandato eletivo é o poder político outorgado pelo povo a um cidadão por meio de voto e com prazo determinado, para que governe ou o represente nas Casas Legislativas.

A perda do mandado, como efeito da sentença penal condenatória, deve ser justificada pelo juiz na sentença condenatória, exigindo-se os mesmos requisitos necessários à aplicação do efeito da perda do cargo ou função pública.

Na redação dada ao artigo 92, I, do Código Penal pela Lei 9.268, de 1º de abril de 1996, é prevista a perda do mandato eletivo quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação do dever para com a Administração Pública.

O juiz deve de forma motivada decretar a perda do mandato eletivo, entendendo-se que havendo abuso do poder ou violação de dever é cabível o efeito previsto no artigo 92, I, do Código Penal.

A segunda hipótese da perda de mandato eletivo ocorre no caso de condenação transitada em julgado ¨quando for aplicada pena privativa de liberdade com tempo superior a quatro anos, nos demais casos¨.

Mas, o Supremo Tribunal Federal é o supremo guardião da Constituição Federal, do que se lê do artigo 102 da Constituição Federal.

Relembro a lição do Ministro Celso de Mello, externada no julgamento daquele RE 179.602, no sentido de que a norma inscrita no artigo 55, § 2º, da Constituição (Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado pelo Congresso Nacional, assegurada ampla defesa), enquanto preceito de direito singular, encerra garantia constitucional destinada a preservar, salvo deliberação em contrário da própria instituição parlamentar, a intangibilidade do mandato titularizado pelo membro do Congresso Nacional, impedindo que uma decisão emanada do Poder Judiciário, um outro poder, implique a suspensão dos diretos políticos e a perda de mandato.

Evitar-se-ia, com isso, qualquer ingerência de outro Poder na esfera de atuação institucional do Legislativo. Isso porque se trata de prerrogativa que é instituída em favor dos membros do Congresso Nacional, e que é consagrada pela Constituição, em atendimento ao postulado da separação de poderes e de fazer respeitar a independência político-jurídica dos membros do Congresso Nacional.

Para o Ministro Lewandowski a cassação do mandato é um assunto político e desta forma a decisão caberia à Câmara dos Deputados.

A Ministra Rosa Weber acompanhou o Ministro Lewandoswki, para quem entre o texto do Código Penal e o da Constituição prevaleceria esta. O Ministro Dias Toffoli destaca a representatividade popular do parlamentar para justificar sua posição. A Ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto do revisor, cabendo ao Legislativo a responsabilidade para a cassação.

No entanto, o Ministro Luiz Fux, que seguiu o Ministro Relator, Joaquim Barbosa, pensa que é cabível a cassação do mandato por efeito da condenação do Judiciário.

Contundente a posição do Ministro Gilmar Mendes para quem uma norma que impede a candidatura de condenados não poderia conviver com eventual decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir a continuação do exercício do mandato. E alertou que teríamos uma situação incongruente: um parlamentar cumprindo expediente no Congresso Nacional e à noite, recolhendo-se a estabelecimento prisional. Para ele, a condenação criminal implicaria também improbidade, que seria motivo suficiente para a decretação da perda de mandato.

Nessa mesma linha, o Ministro Marco Aurélio argumentou que uma decisão da mais alta Corte do país não pode ficar sujeita a aval político.

Aliás, em seu último voto no Supremo Tribunal Federal, na Ação Penal 470, decidiu o Ministro Cezar Peluso pela perda de mandato eletivo de deputado federal, condenado por crimes contra a Administração Pública.

Como que antecipando o seu voto, o Ministro Celso de Mello discorreu, no julgamento, que o Congresso Nacional não pode interferir nos efeitos que resultam de uma condenação penal transitada em julgado proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

O Supremo Tribunal Federal, como se tem noticia, por dez votos a zero, condenou o senador Ivo Cassol a 4 anos, 8 meses e 26 dias de prisão em regime semiaberto por fraude em 12 licitações de obras promovidas pela Prefeitura de Rolim de Moura.

No entanto, por 6 votos a 4, o Excelso Pretório decidiu que o réu deve perder o mandato, mas a palavra final dependerá de deliberação do Senado, em entendimento contrário ao que foi estipulado no julgamento da Ação Penal 470.

Disse o Ministro Joaquim Barbosa:

– Olha a incoerência: decretamos a perda do cargo dos servidores, mas não decretamos a perda do mandado do parlamentar. Quanto mais elevada a responsabilidade, maior deve ser a punição. Não o contrário. Esse é o erro da nossa República.

Para a Ministra Cármen Lúcia, caberia ao STF informar ao Senado sobre a condenação penal à prisão e, a partir daí, a casa legislativa daria o encaminhamento para a decisão. Os Ministros Dias Toffoli e Lewandowski ratificaram posição pelo processo específico nos ditames do artigo 55 da Constituição.

Para a nova posição traçada foram determinantes os votos dos Ministros Teori Zavascki e Roberto Barroso, que assim disse:

– Eu não acho isso bom. Mas está na Constituição. De modo que eu lamento que tenha essa disposição. Mas a Constituição não é o que eu quero e o que se pode fazer dela.