Malabarismos salomônicos de Janot

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Janot, o camaleão!“, o artigo a seguir é de autoria de Edison Vicentini Barroso, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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Rodrigo Janot deu o ‘ar da graça’. O procurador-Geral da República retornou ao Brasil criativo, misturando alhos com bugalhos. Justo ele, para quem há de se evitar a judicialização da política. Para o qual, política é política e Justiça é Justiça!

Faz tempo, alguém disse que se conhece da árvore pelo fruto. E Janot se dá a conhecer por sua conduta. Seus atos anteriores o definem – não como genuíno cultor do Direito, mas acertador político de situações postas sob exame judicial.

E disso se vê, também agora, de parecer enviado ao ministro Teori Zavascki, do STF, em Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) – uma do PSDB e outra do PSB. Nelas se pede impeça-se Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula, de ser ministro de Dilma Rousseff – por desvio de finalidade do ato de nomeação. É que a presidente o teria feito, fundamentalmente, para tirá-lo das mãos do juiz federal Sergio Moro, conferindo-lhe o foro privilegiado daquele Tribunal.

E, embora Janot admita desvio de finalidade, opina no sentido de validar a nomeação. Porém, quer seja mantida a investigação de Moro.

No particular, afirma que ‘O acervo probatório e elementos que se tornaram notórios desde a nomeação e posse do ex-presidente permitem concluir que a nomeação foi praticada com intenção de afetar a competência de juízo de primeiro grau. Há danos objetivos à persecução penal, pela necessidade de interromper investigações em curso, pelo tempo para remessa das peças de informação e para análise delas por parte dos novos sujeitos processuais e pelos ritos mais demorados de investigações e ações relativas a pessoas com foro por prerrogativa de função’.

E o que pedem PSDB e PSB? Que a nomeação de Lula seja declarada uma agressão a preceito fundamental – tornada, pois, sem efeito!

Ora, se Dilma fez o que Janot afirma que fez – e fez! –, incorreu em desvio de finalidade e improbidade administrativa, com obstrução da Justiça.

Portanto, agiu criminosamente (artigos 37, caput, da Constituição Federal e 4º, II e V, da Lei 1.079/50).

Flagrantemente, hipótese de oferecimento de denúncia contra ela – sob pena de prevaricação do procurador-Geral!

A lei está aí para ser cumprida! Não interessa de quem se trate, do anônimo ou da presidente da República. Impõe-no o Estado de Direito e o devido processo legal.

Na questão, sobrepaira uma premissa maior: se desvio de finalidade houve, administrativamente, o ato é nulo! E todo conhecedor do Direito sabe que esse tipo de ato não produz qualquer efeito. Assim, não há como validar a nomeação de Lula – na condição de efeito direto de ato administrativo visceralmente viciado!

Não fosse o malabarismo semântico/político de Janot, em quase nada jurídico, diríamos não ter sido por outro motivo sua adesão à manutenção do foro original, da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Essa solução salomônica, decerto, por ele tida como de equilíbrio, juridicamente, não caiu nada bem! Primeiro, porque, repita-se, ato nulo não se convalida. E, no caso, a nulidade é por inteiro – pois que, do ato mesmo, em si considerado, é que decorreriam todos os demais efeitos, inclusive o relativo ao deslocamento de foro.

Segundo, pela demonstração aparente de que a inconcebível mescla de posições – semi-jurídica e política – revela, de alguma sorte, verdade na fala de Lula, de que, não fosse o PT, Janot não seria procurador-Geral da República. E, de fato, nas coisas do Direito, ou este age como jurista ou como um leigo em busca de pagamento de eventual favor!

Por outro lado, para que nomeação válida houvesse, indispensável seria a inexistência de ato viciado – na espécie, especificamente, do desvio de finalidade! Ou este existe, ou não. Existente, não se fala em nomeação jurídico/legal. Inexistente, sim!

Mas, repitamos, para Janot, está-se diante de ato de nomeação presidencial viciado pelo apontado desvio – a rigor técnico/jurídico, a não surtir quaisquer efeitos, dentre os quais, principalmente, o de firmar a nomeação ministerial a que destinado!

Ainda, a prerrogativa de foro tem a ver com a função. Assim, se Lula pode ser ministro, necessariamente, o foro passa para o STF – enquanto não elaborada lei que acabe de vez com o famigerado ‘foro privilegiado’.

Trocando em miúdos, não dá pra entender a posição de um procurador Geral da República que, misturando estações, simultaneamente, enxergando desvio de finalidade e agressão da probidade administrativa, com inequívoca tentativa de obstrução da Justiça, apesar disso, opina pela validação de ato de nomeação ilegítimo – por ilegal.

Efetivamente, mais parece a fala dum jejuno nas coisas jurídicas – indignade quem no cargo de procurador-Geral da República do Brasil! À omelete, só se faz com ovos! Não dá para fazê-la de forma diferente, desconforme à receita que lhe dá vida.

Assim o é, também, nas coisas do Direito. Há posições que não se sustentam, doutrinária e/ou jurisprudencialmente! No Foro, existem princípios dos quais se não pode desapegar, sob pena de se lhes desvirtuar o sentido e a própria razão de ser (ratio essendi).

E à posição exótica, extravagante, relativa à manutenção de Lula à frente do ministério, Janot assim justifica: ‘para evitar maiores danos à atuação governamental, uma vez que a pasta ministerial se encontra desprovida de seu titular, em momento de conhecida e profunda turbulência política e econômica que o país atravessa’.

Definitivamente, não parece fala de jurista, dum cultor do Direito, mas de verdadeiro político a serviço duma causa. Lamentável, para que se diga pouco!

Alguém, fora da lei, como Dilma no episódio, aos olhos do procurador Geral da República capaz de validar prerrogativa de nomeação de ministro, que só teria na hipótese de ato legítimo segundo a ordem legal!

Inacreditável!

Se a nomeação de Lula fere essa ordem, e Janot ‘advoga’ (aspas minhas) a tese de lhe dar posse, fica claríssima a mensagem de que o procurador Geral, se não defende, ao menos admite que Dilma está acima e à margem da lei!

Caso o STF embarque na ‘tese’, para usar de expressão do jornalista Reinaldo Azevedo, ‘será preciso um freio de arrumação na área jurídica e afins. As heterodoxias estão se acumulando’.

Em resumo, a fala de Janot – no particular da validação da nomeação de Lula – afeiçoa-se ato de exceção, sem base legal! Do que, decididamente, para um procurador-Geral da República, coisa gravíssima! Ou se agrada a Deus ou ao diabo. Ou se cumpre a lei, em sua inteireza, ou, de vez e declaradamente, se a deixa de cumprir!

Coerência é tudo – principalmente nas coisas do Direito!