“Somos filhos do autoritarismo”

Frederico Vasconcelos

Sob o título “O ‘golpe’ continua…“, o artigo a seguir é de autoria de Roberto Wanderley Nogueira, juiz federal em Recife. Foi enviado nesta sexta-feira (1).

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O Brasil reflete nesta data – 1º de abril de 2016 -, ocasião em que fazemos memória da irrupção militar de 1964, com frequência confiantes de que, afinal, somos uma democracia.

Ocorre que a Constituição de outubro de 1988 foi objeto de uma Emenda Constitucional à Carta de 1967/1969, outorgada. O documento foi produzido pelo Congresso Nacional transformado, aparentemente, em Assembléia Nacional Constituinte. Dela participaram, todavia, os chamados senadores “biônicos” que se constituíam em 1/3 da Câmara Alta da República e que não eram eleitos pelo sufrágio universal e secreto do povo, mas escolhidos indiretamente.

Desse modo, da edição da Constituição Cidadã de 1988, conforme os majestosos termos de sua promulgação, na dicção solene do saudoso Deputado Ulysses Guimarães, incluiu essa clientela estranha à democracia que a Carta sugeria refundar.

Sejamos claros: o regime militar, instaurado em 1964, concebeu a transmissão do poder à sociedade civil, na forma e na gradação prefiguradas estrategicamente pelos seus líderes e demais associados, e continua, em essência, o seu veio natural e histórico.

Em síntese, somos filhos do autoritarismo e da história interrompida, e a Constituição Federal em vigor, a despeito de seu caráter analítico, está prenhe, talvez por isso mesmo, na origem e na forma, de concessões às velhas práticas políticas de sempre, à direita e também à esquerda do espectro político-ideológico.

Inteligência, mérito e independência não valem tanto quanto as conveniências de Estado (pseudopúblicas). A razão cede comumente à supremacia dos interesses e essa lógica vai retroalimentando institucionalmente a nossa tragédia social e o nosso atraso civilizatório, por efeitos de um povo pouco esclarecido que ainda luta pela sobrevivência pelas brechas do establishment. Aliás, qualquer que seja a moeda, manifestação popular paga não é civismo; é apenas torcida organizada.

Lamentavelmente, continuamos a enxergar de modo ostensivo e nos múltiplos espaços públicos e privados da sociedade brasileira os mesmos cenários que serviram de pretexto à ruptura da Ordem Constitucional precedente.

Até quando?