Delação premiada: devaneios e realidade
Sob o título “A delação premiada entrou definitivamente no processo penal brasileiro”, o desembargador federal aposentado Vladmir Passos de Freitas, ex-presidente do TRF-4, levanta aspectos relevantes sobre este novo instrumento de prova. (*)
Eis alguns trechos [grifos nossos]:
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Em um passado não remoto, no Brasil as ações penais eram, principalmente, relacionadas com homicídios, furtos, roubos, estelionatos, falsidades em suas diversas formas e ilícitos contra a administração pública. Estes processos criminais, regra geral, envolviam apenas acusado e vítima, figurando o Estado como garantidor da ordem pública.
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O mundo passou por enorme transformação econômica. Empresas multinacionais flexibilizaram as fronteiras entre os Estados, as viagens internacionais tornaram-se intensas e a evolução da eletrônica e das comunicações fez com que um jovem da Bolívia pouca diferença tenha de outro das Filipinas.
Como era de se esperar, novas modalidades criminosas surgiram, muito mais sofisticadas, com transferência de capitais para paraísos fiscais, assistência por profissionais capacitados e métodos de organização empresarial.
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Destes fatos originou-se a “Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Transnacional”, mais conhecida como “Convenção de Palermo”, aprovada em 15 de novembro de 2000 em Nova York, que entrou em vigor em 29 de setembro de 2003, aprovada no Brasil pelo Decreto 5.015, de 2004. Segundo o site do Escritório das Nações Unidas Contra o Crime e Drogas (UNODC), os Estados-membros deveriam adotar uma série de medidas contra o crime organizado.
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O Brasil passou a editar leis mais severas no combate à criminalidade organizada. Mas foi a colaboração premiada, mais conhecida como delação premiada, a grande novidade no processo penal brasileiro.
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A primeira objeção que alguns fazem a esta lei é de ordem ética. Guilherme Nucci registra que alguns a criticam porque a colaboração seria um contrato antiético entre o Estado e o criminoso, porém manifesta-se favoravelmente, sublinhando que deve ser “submetida, naturalmente, à rigorosa análise do julgador”.
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Aspecto que gera dúvida é o da participação do juiz na colaboração premiada. Na verdade, ele não participa. Somente o delegado de Polícia ou o agente do Ministério Público podem colher o depoimento (art. 6º da Lei 12.850/2013). O juiz apenas a homologa posteriormente e, caso vislumbre alguma cláusula que fira a Constituição, poderá afastá-la ou homologá-la parcialmente.
Outra faceta importante é a que diz respeito à validade desta prova para a condenação. Evidentemente, ela, isoladamente, de nada servirá, e não pode ser fundamento de uma condenação. O que ocorre, regra geral, é que ela indica os caminhos ao MP ou à polícia e, posteriormente, são colhidas provas das acusações. Estas, se confirmadas, poderão embasar a sentença condenatória.
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O advogado tem um papel relevante nesta nova realidade. Pode auxiliar seu cliente nas tratativas do acordo, examinar as múltiplas facetas do que vier a ser ajustado, encontrar o melhor caminho.
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Em realidade, atrás de toda a discussão está uma questão muito simples: ou ficamos nas provas do Código de Processo Penal de 1940, agarrados a um passado que nada tem a ver com o mundo contemporâneo, ou nos adaptamos às novas circunstâncias, criando mecanismos adequados de combate à criminalidade. Nostalgia ou pragmatismo, eis a questão.
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