Réu não prova pobreza e juíza decuplica custas
“Pobres que deveriam ser protegidos são prejudicados”, diz magistrada.
A juíz Adriana Bertier Benedito, da 36ª Vara Cível de São Paulo, revogou a assistência judiciária gratuita concedida a um réu que ofereceu declaração de pobreza, situação não confirmada em documentos posteriormente juntados aos autos.
A magistrada determinou multiplicar por dez as custas e demais despesas processuais –desde o ajuizamento da ação–, valor a ser recolhido em dez dias.
Eis alguns trechos da decisão [grifos nossos]:
“Em que pese o réu intitular-se sem condições financeiras para recolhimento das custas processuais, trazer aos autos extrato contendo a existência de alguns processos trabalhistas propostos contra si e dizer-se isento de declarar imposto de renda, além de sequer possuir qualquer conta bancária, certo é que o que realmente se verifica dos autos é algo diverso.
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O autor em sua inicial enfatiza ser formado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de São Carlos e morar junto ao Real Parque, uma região de alto nível da capital. Mais adiante, (…) declara que juntamente com esta faculdade cursou engenharia Civil na USP, ou seja, teve condições educativas que lhe proporcionaram ingressar nestas faculdades e não trabalhava, apenas estudava, tendo estudado uma vida inteira no Colégio Porto Seguro, colégio particular que abriga a elite paulistana, para pessoas com renda efetivamente diferenciada dos demais.
Aduz, ainda, que concluiu só no ano de 2010 quatro especializações jurídicas pela Fundação Getúlio Vargas, uma das mais caras do país, um curso técnico em contabilidade, cursou três pós graduações na área jurídica e um MBA contábil.
O impugnado tencionava realizar mestrado no Uruguai em 2013, tendo ido passar algumas semanas na Argentina a fim de estudar espanhol.
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É um poliglota tendo estudado alemão, espanhol e inglês, com viagens realizadas conforme documentos.
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Em que pese tudo quanto acima exposto, declara não possuir bens ou valores desde 2007.
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Em julgamento que manteve o indeferimento de gratuidade processual requerido pelo impugnado em feito diverso, consta em seu relatório que este próprio impugnado, inclusive, demonstrara nos autos que até pouquíssimo tempo mantinha um padrão de vida elevadíssimo, com gastos mensais de R$ 100.000,00 a R$ 200.000,00.
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Ora, tudo isto apenas demonstra que a parte não declara a realidade. Em que pese possa não possuir nada em seu nome na atualidade, ou pelo menos assim declara, certo é que mantém um estilo de vida incompatível com seus informes; outrossim, do que vive não se sabe.
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Constato, ainda, que uma pessoa que mantinha gastos mensais nos patamares informados, tinha, com certeza, ganhos ainda maiores, os quais não desaparecem de um minuto para outro; porém, a parte não demonstrou a destinação destes valores.
Uma pessoa, ainda, que ingressa com tantas demandas como o impugnado, sejam cíveis, sejam criminais, sempre com patronos constituídos, demonstra claramente possuir condições de pagar as custas processuais.
Manter ao impugnado o benefício da gratuidade processual seria desvirtuar, absolutamente, o nobre propósito da lei.
Não se pode admitir que uma pessoa nessas condições pretenda permanecer, confortavelmente, com seu patrimônio intacto, litigando às custas daqueles que cumprem suas obrigações fiscais com correção.
Deve-se lembrar que, quando se concedem os benefícios da gratuidade, alguém paga a conta. Serviços judiciários, fato gerador da obrigação de recolher custas, não são graciosos. Por isso, a gratuidade não pode ser concedida de maneira indiscriminada, sem maiores cuidados. Há de se ter responsabilidade ao pedir e ao deferir os benefícios.
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Sabe-se que, quando se alarga demais o âmbito de benefício de uma lei, ela acaba por se banalizar. Em última instância, aqueles que deveriam ser protegidos pela lei os pobres, de fato são, ao fim, prejudicados. A ausência de recolhimento de custas decorrência de concessões irrefletidas de pedidos de gratuidade priva o Poder Judiciário de sua receita e, por conseqüência, sucateia os serviços. Perde, assim, a massa do jurisdicionado a que a lei visa tutelar.
Quando a lei diz que fazem jus aos benefícios as pessoas que não podem arcar com o pagamento sem o prejuízo próprio ou da família, ela presume que tais pessoas não disponham de outros recursos que não aqueles que porventura seriam utilizados para o pagamento de custas. Esse não é, certamente, o caso do autor.
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